30.8.04

Post Scriptum #339



André Breton
(França, 1896-1966)

"Há homens que sonham, que pensam e amam em simultâneo. Homens que falam - e a sua palavra é uma escrita indelével no espaço e no tempo. Homens que olham - e o seu olhar revela o mundo. Homens que escrevem - e os seus livros são os actos, os acontecimentos e a respiração da História (...). Homens que conhecem a amizade, a paixão, a cólera, a solidão e que não separam nunca os seus sentimentos das suas ideias, a teoria da prática (...). A esses homens a sociedade usa chamar poetas - e por vezes consente-lhes que actuem como tal..."

Alain Jouffroy, do prefácio a "Luz da Terra"


POEMA

Tenho na minha frente a fada de sal
cuja túnica recamada de cordeiros
desce até ao mar
Cujo véu pregueado
de queda em queda ilumina toda a montanha.

Ela brilha ao sol como um lustro de água iridiscente
E os pequenos oleiros da noite serviram-se das suas
unhas onde a lua não se reflecte
para moldar o serviço de café da beladona.

O tempo enrodilha-se miraculosamente detrás dos seus
sapatos de estrelas de neve
ao longo dum rasto perdido nas carícias
de dois arminhos.

Os perigos anteriores foram ricamente repartidos
e mal extintos os carvões no abrunheiro bravo das sebes
pela serpente coral que sem custo passa
por um delgado
filete de sangue seco
na lareira profunda
sempre sempre esplendidamente negra
Esta lareira onde aprendi a ver
e sobre a qual dança sem cessar
o crepe das costas das primaveras
Aquele que é necessário lançar muito alto para dourar
a mulher em cujos cabelos encontro
o sabor que perdera
O crepe mágico o sinete voador
do amor que é nosso.

in "Luz da Terra".


Tradução de Nicolau Saião.