16.8.04

Post Scriptum #324



"O Mestre" é especificamente sobre um encontro com o meu herói, Czeslaw Milosz. Muita gente julga que é sobre Yeats, porque se situa numa torre. (...) Mas eu pensava em Milosz, um homem perante quem eu sentia na altura grande timidez, um grande poeta, alguém com uma majestade oitocentista nos seus conseguimentos em prosa, em ensaios, em poesia. Como pessoa, tem uma espécie de autoridade serena, e eu só queria escrever um poema de admiração, descrever algo da sua maravilhosa compreensão e auto-domínio.

Seamus Heaney, em entrevista a Rui Carvalho Homem, publicada em Luz Eléctrica.


O MESTRE

Ele vivia em si próprio
como um corvo numa torre sem telhado.

Para me aproximar eu tinha de escalar
longas e agrestes muralhas desertas
e não estremecer, nem erguer o olhar
à procura de um olhar vigilante
no canto onde ele tivesse o seu retiro.

Deliberadamente ele abria
o seu livro do segredo
uma página de cada vez
e nada era arcana, só as velhas regras
que todos tínhamos inscrito nas lousas.
Cada carácter estampado no pergaminho, seguro
no seu volume e medida.
A cada máxima dado o seu espaço.

Diz a verdade. Não tenhas medo.
Noções duradouras, obstinadas,
como martelos e cunhas de pedreiros
comprovados pelos rigores do seu uso.
Quais cumeeiras onde se repouse
no refrigério de uma nascente.

Como me senti frágil ao descer
as escadas sem protecção, contra a muralha,
escutando o propósito e a empresa
lá em cima, num golpe de asa.

Seamus Heaney.
Tradução de Rui Carvalho Homem.