Post Scriptum #323
Czeslaw Milosz (1911-2004)
ARS POETICA
Sempre aspirei por uma forma mais ampla,
que não fosse nem poesia nem prosa em demasia
e permitisse a compreensão, sem expor ninguém,
nem autor nem leitor, a grandes tormentos.
Em sua essência, a poesia é algo horrível:
nasce de nós uma coisa que não sabíamos que está dentro de nós,
e piscamos os olhos como se atrás de nós tivesse saltado um tigre,
e tivesse parado na luz, batendo a cauda sobre os quadris.
É por isso que se afirma, com razão, que a poesia é ditada por um espírito,
embora haja exagero em afirmar que se trata de um anjo.
É difícil de entender a soberba dos poetas,
por que se envergonham, quando a fraqueza deles acaba descoberta.
Que homem inteligente gostaria de ser o país dos demónios,
que nele se multiplicam como em sua própria casa, falam inúmeras línguas,
e como se não lhes bastasse roubar-lhe a boca e as mãos,
ainda tentam alterar-lhe o destino a seu bel-prazer?
Porque hoje se respeita tudo o que é adoentado,
alguém poderá pensar que estou brincando apenas,
ou que encontrei uma outra maneira
de elogiar a Arte através da ironia.
Houve um tempo em que somente livros sábios eram lidos,
que ajudam a suportar a dor e a desgraça.
Mas isso não é o mesmo que examinar milhares
de obras oriundas directamente das clínicas psiquiátricas.
Mas o mundo é diferente daquilo que nos parece,
e nós próprios somos diferentes dos nossos delírios.
Por isso as pessoas conservam a sua silente cortesia,
para obter o respeito de parentes e vizinhos.
A vantagem da poesia consiste no facto de lembrar-nos
da dificuldade de manter a identidade,
pois a nossa casa está aberta, não há chave na porta,
e hóspedes invisíveis entram e saem.
Concordo, o que estou contando aqui não é poesia.
Poesias devem ser escritas poucas vezes e de má vontade,
sob uma pressão insuportável e apenas na esperança
de que os bons espíritos, e não os maus, tenham em nós o seu instrumento.
Tradução de Aleksandar Jovanovic.
Czeslaw Milosz morreu no sábado. Tinha 93 anos.
Acredito firmemente na passividade do poeta que recebe um poema como dádiva das forças desconhecidas e nunca pode esquecer que essa obra não surgiu por mérito próprio. Ao mesmo tempo, o seu intelecto e a sua vontade têm que ser constantemente sensíveis à realidade circundante. Durante o meu século, presenciei situações de horror, por isso não pude refugiar-me na "poesia pura" como aconselhavam alguns herdeiros do simbolismo francês. (...) Acho que a saúde da poesia está na sua tendência de apanhar o máximo da realidade. Se tivesse que escolher entre a arte subjectiva e a objectiva, optaria sempre pela segunda...
Czeslaw Milosz, citado na introdução do volume Alguns Gostam de Poesia.
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