3.8.04

O Povo É Sereno #139

José Sócrates aproveitou mais uma aberta, do Público, para explicar à gente como sair da crise, na perspectiva do congresso do seu partido. Não resisto a responder, não sem antes explicar que:

1) Ninguém me encomendou o sermão, quero eu dizer, estou a meter foice em seara alheia;
2) Não sou do PS (Nem do Partido Socialista, nem do Partido do Sócrates).

Perdoem-me, pois, a pesporrência, por favor. Mas poxa! Chateia tanta acumulação de modernices no texto de Sócrates: agenda, sociedade inclusiva, tecnologia (no sentido de informática e correlativos), conhecimento, modernidade.

Um fio vermelho dá coerência ao texto: "estamos a atrasar-nos" (não convergimos com a média europeia) e só saímos disto "crescendo", e muito, isto é, crescendo e aumentando a produtividade. Para isso, há que melhorar a educação, perdão, a formação da força de trabalho.

Para quem se reivindica da tradição social-democrata, é irónico que o moderno seja deitar fora precisamente o núcleo duro da tradição social-democrata (a redistribuição dos rendimentos) e recorrer subliminarmente ao antiquíssimo ditado dos seus adversários: só se pode distribuir a riqueza que se produzir (o que é mentira, claro), portanto, o caminho do progresso social é produzir mais, sempre mais. Ou, para utilizar outro ditado mais modernaço da direita: na maré-alta, todos os barcos sobem.

Mas o que é mais trágico é que no mundo actual, isto é, desde há trinta anos (grande evolução...), a sociedade capitalista, que é aquela em que vivemos, se especializou num truque: aumento da produtividade pela compressão de custos salariais (directos e indirectos), e não para expansão dos bens materiais e serviços sociais ao dispor da grande massa dos menos favorecidos.

Não é que não haja telemóveis, porque os há, isto é, passou a havê-los. Continuamos a assistir a um progresso (ia pôr aspas, mas tirei) técnico, só que a repartição social do chamado progresso é cada vez mais desfavorável aos desfavorecidos. E de que vale ter um telemóvel, com os correspondentes custos, numa sociedade onde se tornou impossível viver sem telemóvel? É como o trânsito nas cidades: quando era uma minoria, era agradável, quando se "democratizou" passou a ser um inferno. Ou os cursos superiores: quando eram para uma minoria eram um privilégio, agora dão para arrumar carros.

Caros amigos: tal como as coisas estão, quanto maior a produtividade, menos vale o trabalho, mais precário ele é, essa é que é essa. E será assim enquanto o neo-liberalismo estiver aos comandos. E enquanto não invertermos este curso. É por isso que as soluções à Sócrates (e outras, mais à direita) só contribuem para agravar os problemas.

Trinta anos de evolução? Já chega, como dizia a corista ao bispo.