13.7.04

Post Scriptum # 296



NA MANHÃ CLARA E QUENTE

Não é soturna mas misteriosa. Um antigo lagar. Todos os dias a vejo, aquela casa casarão agora abandonada. Só frequentada, agora, por pombos. Segundo andar e sótão a toda a largura do edifício. E janelas, janelas de arcada, janelas em ogiva, janelas largas em sacada por onde se faziam subir as saquiladas de azeitona nos tempos da minha infância e adolescência. Todos os dias o vejo - que fica mesmo em frente do Museu aonde estaciono. Profissionalmente. A Casa do Poeta, sim. Mas de outro, do Régio. Esse companheiro...
Todos os dias? Todas as horas, que da janela do meu gabinete (até tenho gabinete...) o catrapisco sem ser sequer preciso virar a cabeça. Casarão à maneira do Lovecraft, que se ele o pisgasse logo o meteria em estória de espantações. Agora, deserto de presenças humanas, já com algumas vidraças partidas, é a guarida dos pombos, dos pombos que dantes lhe andavam sempre em volta - são dum columbófilo encartado, desses que fazem largadas de Oviedo, Sevilha, Vila Nova de Poiares, o mundo... - sem ousarem entrar. Netos, bisnetos, quero eu dizer, dos que por aqui esvoaçavam quando eu era tão-só um puto...
Mas vou-me já presto, com veloz galhardia, a traduzir então o Tardieu, o Carlos Oquendo de Amat, o César Vallejo, o Grandbois.
E palavra de índio alentejano não volta atrás. Antes que o nosso Rui Amaral, pela ausência, me atinja com presteza com um directo de esquerda...


Nicolau Saião