7.7.04

Post Scriptum # 288



OUVE, ISABEL!

Estava eu no norte e queria sair de Guimarães em direcção ao Porto sem me enganar na estrada. Como gosto de olhar para as coisas, claro que me enganei. Fui dar, com boa consciência, a Serzedelo. Fica prá direita, prá esquerda? Sei lá. Mas fui ali que eu deslindei um mistério. Ao passar por uma rua apertada, que precedia um largo, divisei numa parede desse largo uma inscrição (uma pichagem, triste nome!) que me chamou a atenção e me informou utilmente. Dizia: "Amo-te, Isabel!".
Era então ali que a Isabel morava! Que mora. A Isabel nortenha dos negros olhos pestanudos (e lá vem p'lo ar um cachação...) que todos conhecemos.
E eu parece-me que sei, Isabel, quem te interpelou publicamente. Ou eu muito me engano ou é aquele rapaz um pouco calado - sim, o que tem um pé ligeiramente de lado e o nariz torcido - que uma vez ao passar por ti junto a um café se desviou logo para tu entrares. Por um momento o vosso olhar cruzou-se e tu durante dois dias ficaste a meditar, que o moço apesar do pé e do nariz tem olhos sensíveis, bons braços de trabalhador (é empregado num armazém de pneus) e uma expressão prometedora.
E eu digo-te, Isabel: agarra-o com as duas mãos. Assalta um casino, um combóio correio. Ou vende as arrecadas que os parentes te deram. Paga a operação ao moço, que ele merece. E até pode ser que gostes do pé de lado. E do nariz torcido. E diz-lhe que leste a mensagem. Um tipo capaz de arriscar assim a reputação publicamente não pode deixar de ser um sujeito de carácter. E gostar de ti deveras.
Dá-te pressa. Põe sebo nas canelas - que tens bem harmoniosas e roliças (e lá vem para o meu pelo o cachação a cair). Aproveita, que coisas destas não aparecem duas vezes.
E costumam ser para a eternidade.


Nicolau Saião