18.7.04

O Povo É Sereno #136

Ainda os fogos. Sabem que é possível eliminar o mato sem cortar o mato? Simples: queima­-se o mato. Fi-lo no meu terreno, isto é fê-lo um senhor que sabe disso, no Inverno, numa pequena parte bem controlada.
 
Mas quanto mais penso no assunto, mais me parece que a solução só pode ser uma revivificação do espaço rural
 
(Por exemplo, antigamente, também havia fogos, não pensem que não havia. Só que eram detectados mais cedo, e toda a aldeia era mobilizada para o combater, e HAVIA GENTE.)
 
e numa nova relação com a terra, não de exploração, mas de colaboração
 
Daí as experiências que tenho andado a fazer, e cujo objectivo longínquo se pode resumir numa palavra: permacultura, ou agro-floresta.
 
O que é? A floresta não precisa de adubos para produzir. De resto, os fogos são tão perigosos hoje porque a floresta abandonada a si mesma produz uma plétora de plantas que são excelente combustível. Então, uma hipótese de trabalho é tentar reproduzir algo parecido com o ciclo ecológico das florestas (a reciclagem na terra do material orgânico) com plantas menos combustíveis e mais comestíveis.
 
Isto é,~
 
em vez de arrasar a floresta e pôr a terra nua, para nela plantar ou semear uma única espécie, tratando todas as outras plantas como invasoras e daninhas (como se fosse uma guerra), com o resultado de uma mais ou menos rápida esterilização da terra, compensada depois com grandes quantidades de adubos e pesticidas que, se dão um alimento prestes e rápido para a cultura em questão, também, pela sua própria natureza poluem as águas subterrâneas e o solo,~
 
procurar reconstituir uma terra humífera que lentamente se alimente a si própria, pela combinação de culturas permanentes (árvores, arbustos, plantas perenes) e anuais (hortícolas e cereais de grande rendimento, mas frágeis). Os resultados, pelo menos nos primeiros tempos, não são produtivamente tão ?bons? como o da agro-indústria, mas a longo prazo, temos: um solo que não se empobrece, uma menor utilização de máquinas e pesticidas e nenhuma de adubos químicos, numa palavra, menos petróleo e seus derivados, nomeadamente.
 
Inversamente, se a floresta deixar de ser considerada apenas uma fonte de rendimento pela madeira menos nobre que se vende ao desbarato, sem cuidar da terra porque não há tempo, nem gente, não se poderia começar a pensar nela como um ser vivo com inúmeras potencialidades culturais? É claro que, e aqui vem dar o outro fio de raciocínio, é claro que, para isso, não se pode lavrar a terra, para não destruir o sistema radicular das árvores e os milhões de seres vivos que vivem em simbiose com ele.
 
E a tal coisa: é preciso gente no campo.
 
A agricultura tradicional já tem uma versão desta agricultura que se chama: sementeira directa. Sem lavrar a terra (pelo menos em profundidade), mantê­-la sempre coberta com o restolho e/ou uma cultura de cobertura.
 
Mas, meus amigos, isto tem muito pano para mangas, não saíamos daqui tão cedo. E a enormidade do trabalho a fazer quase desanima qualquer um, quando se vê o que ocupa as mentes do europeu médio. Pessoalmente, estou convencido de que a nossa sobrevivência como espécie depende disto. E penso também que é a grande vingança da poesia sobre o produtivismo.