12.7.04

O Povo é Sereno # 131



UM DESDÉM SOLENE

Não fiquei surpreendido quando ouvi Branco de Sampaio anunciar ao país que irá convidar Santana Lopes a formar governo. Restava-me é certo um vislumbre de esperança (semelhante à que manifestaram tantos cidadãos na última quinzena, com destaque para as vozes de Daniel Sampaio, Pacheco Pereira ou Freitas do Amaral) de que uma ponta de bom senso presidencial devolvesse aos portugueses a possibilidade de decidirem o futuro das suas vidas. Esperança ténue, porém, sempre que lembrava a "leitura" que o presidente-advogado faz da Constituição da República. Temia, além disso, o sempre propalado argumento da "estabilidade", usado a torto e a direito por alguns opositores da Democracia Participativa sempre que a sede de poder económico e político se sobrepõem ao interesse nacional. Por estas e outras razões reagi sem surpresa na noite de 9 de Julho. Sem surpresa - mas com indignação profunda.
Partilho da opinião de Karl Popper de que não devemos preocupar-nos demasiado com quem nos governa. Devemos encontrar, porém, maneiras eficazes de nos livrarmos de quem nos governa mal ou ilegitimamente. Santana Lopes formará um governo sem a legitimidade do eleitorado, apoiado por uma coligação que apenas foi sufragada pelo voto na eleições para o Parlamento Europeu, sofrendo uma estrondosa derrota. Um governo presidido por uma figura visível nas "revistas do coração", mas cuja competência se pode medir pelas acrobacias que praticou na Câmara Municipal de Lisboa, em propaganda constante e ultrapassando a Lei, e pelas palavras de Cavaco Silva, quando refere na sua "Autobiografia Política" que nunca o nomearia ministro de um seu governo, pois como Secretário de Estado da Cultura teve apenas o mérito de aproximar do PSD figuras ligadas ao teatro de revista e às telenovelas.
Votei nas últimas eleições presidenciais no Dr. Jorge Sampaio. Soubesse então o que sei hoje, não voltaria a fazê-lo. Um Presidente da República que cede à chantagem de gente como Alberto João Jardim (criando condições para que Portugal se possa transformar na tal "imensa Madeira" desejada por Dias Loureiro) não merece a confiança de qualquer português. Um homem que cauciona um governo e uma coligação em que ninguém votou - merece apenas um "desdém solene", como diria Cesário Verde caso ainda fosse vivo.


Ruy Ventura