Ilha dos Amores #71
COMO TORDOS
Era um dos rostos mais marcados do cinema francês. Se calhar mundial. Pelo rol de enganos e desenganos que a vida nos tenta fazer passar sobre o esqueleto que se lhe reflectia na frontaria.
Os seus eram anti-heróis conscientes, gente a quem a polícia atinge em cheio na fronha, a quem o quotidiano marca que nem ginjas. E no entanto, de acordo com os amigos e confrades, era pessoa alegre, com um senso de humor a toda a prova, um ironista manso com eles no sítio. Aliás, olhando bem, distinguia-se nos seus olhos um brilhozinho de inteligente malícia. Lembram-se dele no "A vigésima quinta hora" na figura do anti-autoritário poeta Train Koruga? O amigo e vizinho do Anthony Quinn que passava as passas do Algarve com os nazis na pele de um camponês romeno. Pois, o do romance do Virgil Georghiu...
Diz-se que Bruno Coquatrix, quando estava à rasca de elenco no Olympia, se virava para um assessor e dizia com o charutão a crepitar: "Chamem-me o Reggiani...!". Era limpinho, ele garantia a sala cheia e duas três horas de emoções sem qualquer sabor a rolha... Recordam-se de "La barbe a papa", "L'armée du brouillard", "Les loups", "L'éxilé", "La vieillesse" entre tantos êxitos de estirpe real?
Estão a cair como tordos, neste Verão alucinante. Ele e Carlos Paredes (vai haver, no Tempo Dual, poema meu a assinalar o triste óbito), lá foram de braço dado, como dois "copains du petit jour", um para tocar guitarra e outro para cantar lá nos "transcendentes recantos" onde são outras as músicas.
Reggiani? Um gajo teso, um companheirão a toda a prova, um fulano que gostava de andar de cara levantada. E que cantava já não digo como um anjo, que a voz era mais de sereno aventureiro, mas que nos fazia pensar um bocado nas maravilhas que o mundo tem para nos dar se as soubermos ver com olhos intactos e generosos.
Nicolau Saião
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