Post Scriptum # 234
Diálogos interiores
Tem sido fecunda a ligação entre a poesia de Amadeu Baptista e a pintura de Rogério Ribeiro. Desde 2000, têm sido vários os títulos do primeiro que dialogam com a pintura do segundo. Nesta linha, recordamos duas obras de verdadeira comunhão: "Vocação do Fascínio" (in "Rogério Ribeiro: O Atelier do Pintor", Coimbra, 2001) e "O Som do Vermelho - Tríptico poético sobre a pintura de Rogério Ribeiro" (Porto, 2003).
No livro mais recente de Amadeu Baptista, "O Claro Interior" (Edições Íman) o pintor surge a interpretar os poemas do autor desse outro livro belíssimo que é "Paixão" (Porto, 2003). Treze aguarelas originais sobre papel (50 x 60 cm) iluminam a beleza perturbadora dos textos, construídos em torno de uma reflexão intimista e filosófica sobre os mundos de dentro e de fora.
Cores vivas e traços densos ficam na memória. Anjos rilkeanos e outros seres, entre a matéria e o inefável, caminham sobre as palavras, fazem-se rodear pelas palavras de Amadeu Baptista - como se o Verbo fosse o único alicerce a que o Homem se pode agarrar, na angústia e na transcendência. Os poemas, dialogando entre si numa discursividade que nos agarra, dissecam a nossa alma, esquadrinhando a face interna de quem os enuncia e de quem os lê, revelando - como epifanias - clarões nascidos nas entranhas do pensamento. Li com especial emoção o poema final - representação pirogravada e amarga ("há marcas evidentes de tortura no meu rosto") dum terreno luminoso ("a beleza"), com uma luz tão intensa que quase cega e "asfixia" (como a sarça ardente aos olhos de Moisés), em que o sujeito lírico se interroga na angústia provocada pela ausência.
Estamos, assim nos parece, perante uma tocante elegia. Uma elegia em que a consciência da perda é sublimada pela instável certeza das virtualidades da memória que, trazida ao presente e representada, projecta o Homem enraizado e vertiginoso.
Ruy Ventura
A propósito desta relação entre Amadeu Baptista e Rogério Ribeiro, leia-se também a referência de Rui Almeida .
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