10.5.04

Post Scriptum # 225

Um poema raro de Mário Botas, com uma legenda de Nicolau Saião.

SETEMBRO

"Seldom we find" says Solomon Don Dance
"Half ann idea in the profoundest sonnet"
E.A.Poe


A fisionomia, o carinho das coisas impalpáveis,
o balbuciar, todo em amarelo, dos limões...
Cintura na pedra,
correio subtil de Lesbos para Marte.

Antinous visitou-me. Deixou a casa desarrumada
e um projecto em mim demasiadamente longo.
No frágil da memória eu durmo e sou eu
deuses de papelão sentando-se a meu lado.

No leito fluvial por onde dorme o cisne
chamam por mim os outros príncipes. Todos
irmãos.

Escuridão nova na velha escuridão,
efeito de luz nas janelas do poema...
O meu cão dorme. He is a poet, isn't he?

(1980)


Nota: Oferecido a Nicolau Saião no decorrer de uma turbulenta sessão surrealista acontecida no Salão de Bailes dos Bombeiros do Bairro Alto, onde este participava com Mário Cesariny, numa palestra abrilhantada pelo Grupo de Teatro Mandrágora, e no decorrer da qual se esboçaram amoráveis cenas de pugilato e outras danças a caracter iniciadas por espectadores situacionistas de leste. O poema (talvez intimidado com estes sucessos) esteve desaparecido durante 22 anos entre, calculava-se, a papelada do poeta alto-alentejano - ou seja cá o meco. Descoberto, afinal, por um dos seus filhos entre as folhas de um livro de C.W. Ceram, foi publicado em Maio de 2002 no suplemento cultural "Fanal", hoje suspenso por imperativos do destino e que era também co-coordenado por Ruy Ventura e João Garção.
Perdido sem apelo nem agravo por entre os eflúvios da zaragata ficou um desenho aguarelado do pintor - o que a ninguém dói mais que a mim, seu feliz proprietário durante o melhor de aí uns vinte minutos.