7.5.04

Post Scriptum # 224

AO VIVO É MAIS BONITO

Mal me sentara na “Cervejaria da Praça” depois de ter mandado vir um Ice Tea de pêssego, eis que o vi assomar do lado da “Rua da Cadeia”, onde os espanhóis vão comprar os “amarelos” que é como quem diz os objectos de cobre com que se fazem no matrimónio com as carmencitas.
“Lemmy! – chamei eu com um gesto o senhor Lemmy Caution, que com o seu metro e oitenta e sete e o ar façanhudo à Eddie Constantine fazia um vistão no centro da cidade de Elvas naquele princípio de tarde caliente, fronteiriça, enquanto as senhoras na esplanada falavam das suas idas ao Lidl e ao Pagapouco e cortavam com afecto na casaca das ausentes, no linguajar cantante que lhes é próprio.
O grande detective chegou e sentou-se, esparramando os noventa quilos na cadeira subitamente frágil, lusitanamente dolorida. Ergueu o dedo displicentemente e o criado acorreu com um copázio já repleto de “bourbon”, que ele arrebatou com a sua apreciada falta de cortesia. “O Philip já está lá dentro, informei-o. Está a tomar um “calvados” à Maigret com o Poirot...”. O Lemmy sorriu, fazendo com que o coração duma jovem que passava se pusesse a palpitar: “O Marlowe está a levar p’rá má vida o pobre do belga..., disse com o seu sotaque duro e arrastado de novaiorquino. Sabes se a miss Marple vai demorar?”. Não lhe respondi, tanto mais que naquele momento, dos lados da Igreja da Nossa Senhora da Assunção, bem equilibradinha nos saltos altos e bamboleando-se como uma leoa, vinha chegando a Effie Perine, a mais que competente secretária do Mike Hammer, que como sempre iria chegar atrasado e com um cheiro a pólvora. Levantei-me cavalheirescamente e a Effie fez um muchocho na direcção do Lemmy, que apenas a considerou de alto a baixo com o olhar número seis. Mas ela pareceu gostar. “Sai uma Sagres!”, clamei para o empregado magrito e com óculos escuros, vocês sabem, aquele que se abanica um tanto. E quando a Effie se sentou, cruzando meu deus as gâmbias envoltas em seda de primeira, chegaram o Marlowe e o Poirot vindos da sala do bar. O belga desbastando ainda uns restos de tremoços ou de amendoins.
E foi então que reparei que o Marlowe tinha um ricto na face. Olhava para o lado da praça, o cigarro pendente do lábio taciturno e o peito arquejando ao de leve com alguma preocupação.
Era um carro da Polícia que vinha a chegar. E que parou em frente da esplanada. Apeou-se um par de chuis: um deles, de quase pequena estatura, usava o cabelo airosamente penteado e um bigodinho como uma linha preta retinta. Sapatinho de tacão alto, o uniforme justo ao cabedal. Parecia a caricatura de um galã das fitas do Totó.
Energicamente, repuxou os lábios donairosos e disse para o Lemmy, mas olhando para todos: “Vamos a circular... Desabelhem já daqui. Dentro de um minuto quero vê-los na alheta. Vá, ponham-se a andar!”. A Effie ainda tentou uma frase qualquer. Os outros tal como eu, nem isso. O Poirot, via-se, engolia em seco. O Lemmy perdera a rijeza. O Marlowe deixou cair o cigarro do lábio.
Pusemo-nos no andor. Que remédio! Evidentemente: é o que acontece quando estamos a contas com um polícia a sério.


Nicolau Saião