27.4.04

Post Scriptum # 212

Nesse mesmo momento em que o salteador meditava no seu casamento, não muito longe dali uma mulher disparava, fora de si , sobre o marido porque ele andava com outra e por isso a abandonara, a ela e aos filhos, e também um outro homem, por não se sentir bem consigo e com o mundo, disparava sobre um alfaiate, e com tal pontaria que o alfaiate era atingido em cheio no coração. Foi depois preciso fazer um peditório para angariar algum dinheiro para a família enlutada. E havia ainda esse outro que, por seu turno, matara a sua bem-amada apenas por ciúme, bem-amada que, aos poucos, se tornara para ele a mal-amada. Ai, tudo isto é muito estranho! E havia também uma esposa insatisfeita que entoava uma elegia sobre a fidelidade do marido enquanto escrevia uma história em que o seu próprio esposo se enforcava, triste história que depois editou. Quando a história foi publicada, deu-a a ler ao pobre do marido, o qual, porém, era tão fiel e tão amável que nem lhe ocorreu zangar-se com ela. Deu-lhe, sim, de pura bondade, um miserável beijo. Que raio de gente mais pacífica há neste mundo!

Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida