6.4.04

Post Scriptum # 191

Fragmento do “Canto Geral do Chile”,
obra de Pablo Neruda (Chile, 1904-1973),
publicada em 1950,
numa tradução inédita de Nicolau Saião.


ETERNIDADE

Eu escrevo para a terra agora enxuta, recém
fresca de flores, de pólen, de argamassa
escrevo para os vulcões que nas cúpulas de lava
repetem seu redondo vazio junto da pura neve
improviso para o que apenas
leva o vapor do ferro recém saído do abismo
falo para as pradarias que não conhecem outro apelido
que não seja o da pequena campainha do líquen
e do estambre queimado
ou a rude espessura onde se queima a yegua.

De onde venho, senão destas primeiras, azuis
matérias que se enredam, encrespam ou desfazem
ou rebentam gritando ou sonâmbulas caiem
ou trepam e afeitam o baluarte do horizonte
ou escondem e amarram a célula do cobre
ou saltam a verdura dos rios ou sucumbem
na lama enterrada do carvão ou reluzem
nas trevas esmagadas da uva?

Pela noite, durmo como os rios dormem, percorrendo
incessantemente o invisível, rompendo na cabeça
a noite submarina, levantando as horas
até à madrugada, palpando as secretas imagens
que a cal já desterrou, subindo pelo bronze
até às cataratas recém disciplinadas, e toco
num fluvial caminho o que não dispersei
a rosa jamais nascida, o afogado hemisfério.

A terra é uma catedral de pálidos relevos
eternamente unidos e juntos em um só
vendaval de segmentos na salina das urzes
coloração final de perdoado outono.

Não haveis, não haveis jamais tocado este caminho
aquele que a nua estalactite determina
a festa entre as lâmpadas glaciares
o alto frio das moradas negras
não haveis entrado comigo nas fibras
que a terra escondeu
não haveis tornado a subir depois de mortos
grão a grão, os punhados da areia
até que as coroas do orvalho
de novo cubram uma aberta rosa
não podeis existir sem ir morrendo
no vestuário usado do destino.

Mas eu sou o nimbo metálico, a argola
encadeada a espaços, a nuvem, os terrenos
que afloram as despenteadas e emudecidas águas
e voltam a desafiar a tempestade sem fim.


Tradução inédita de Nicolau Saião.