17.2.04

Post Scriptum #145

Mais Elytis

Ora aí está mais um excerto de "Maria Nefeli" de Odysséas Elytis, segundo grego a ser distinguido com o prémio Nobel de poesia. Elytis, um dos primeiros surrealistas gregos, que se desviou do movimento mas não o renegou, é difícil de apresentar, sobretudo num blogue, pois os seus poemas mais importantes têm a extensão de livros, cuja arquitectura é importante para o sentido. Assim, estes excertos só poderão ser considerados ligeiras amostras do que constitui a obra.


O Antifoneiro diz:

PAX SAINT TROPEZANA

Que paspalhona me saiu ultimamente a Terra!
Anda­-me a quatro e funga de alegria
sus sus!
Glória aos pais dos regimes
reina a paz
pequenos animais atrás dos grandes ali navegam barcos...

Mamas pintadas calças de duas cores
enormes chapéus de palha de todos os modelos
brasões de ricos príncipes candidatos a masoquistas
escritores à distância
actores de vinte e quatro horas
mijam no mar e dão pequenos gritos
centro-europeus:
u-u u-u!

Lá em cima no céu negros vazios
entreabrem-se e a osmose
das almas deixa transbordar um denso fumo.
De vez em quando surge o olhar de um Santo
mais feroz que nunca
«não tem importância a importância está noutro lado»
uma multidão multicolorida anda às apalpadelas
arrastando-se de olhos semi-cerrados
sus sus!
Pax
Pax Saint Tropezana
reina a paz.
Tudo se diz eurocentralmente
se faz se refaz
com facilidades a prestações.
Tempo de reposições:
rebenta pneu – põe-se pneu
perde-se Jimmy – encontra­-se Bob.
«C'est très pratique» dizia Annette
a bela empregada de mesa do Tahiti.
Dezanove amantes lhe gravaram o nome no peito
junto com o lugar de onde vinham
uma pequena geografia de ternura.

Mas creio que no fundo era homossexual.



Come o progresso
com as suas cascas e caroços.

E Maria Nefeli:

O PLANETA TERRA

Ah este planeta não é feito
apenas de galinhas e carneiros
e outras estúpidas criaturas curvadas.
No extremo do Universo o desleixado
com os seus oceanitos
com os seus Himalaiazinhos
com os seus quatro biliões de bípedes sem asas
que lutam sem parar por altares e lares
fontes de petróleo e outras férteis regiões.
Este não é um planeta
saqueado por ventos envenenados
exposto a chuvas de meteoritos
a pensamentos de filósofos
a grandes lutas pela liberdade
(sempre a nossa – nunca a dos outros).

Um xadrez para corvos amestrados
em ganhar sempre nos dois tabuleiros
«negras aves» a que chamam «negros augures».

Não não este não é um planeta
antes um errar que leva muito longe
a Zeus a Cristo a Buda a Maomé
que também a certa altura tiveram
que se fanar para que todos nós
por simples inércia
ficássemos na posição ajoelhada.

A contagem decrescente até à completa destruição.
A única coisa que ficará intacta
será a vingança.
O ferro e a pedra lá têm os seus recursos
hão-de abater-nos
e entraremos numa nova idade de pedra
tremeremos de medo entre brontossauros enlouquecidos;
então teremos talvez saudade
da exactidão e perfeição
de um relógio Patek Philippe.

E vós Senhores da Tecnocracia
um pouco mais para a direita por favor:
guardai-me um lugar em Alfa de Centauro
e logo se verá.


Infelizmente até a terra
gira à nossa custa.