O Povo É Sereno #58
Histórias de barbeiros
Marcello é o meu barbeiro italiano. Sou-lhe fiel há muito tempo, desde a novela “Os Lobos”, quando o descobri. E digo “Os Lobos”, porque ele discutia comigo o enredo e o Sinde Filipe: é que Marcello vê a RTPi no café português que frequenta e está sempre pronto a falar do Guterres, do Figo, da Casa Pia, e, para mal dos meus pecados, do Vale de Figuredo (Vale e Azedo, rais parta que nunca acerto no nome!).
Bem, certo é que lhe sou fiel e tenho ido atrás dele por essa Bruxelas fora: o patrão tinha loja na Georges Henri, mas fechou-a e agora tenho de ir para a Rue de Laeken, muito mais sombria e decadente, mas vale a pena. Não só pela conversa (sobre as folhosas e as coníferas, sobre a alfarrobeira e uma espécie de espinafre selvagem que nos interessa a ambos), mas também porque o homem corta o cabelo depressa e bem e como um senhor artista. Que ele nestas coisas tem os seus princípios e não lhe falem em cortes à Abel Xavier. Isto é, fazer, fá-los, se o cliente quiser, mas não aprova: “mau gosto” – diz.
Penso nele e penso: afinal que tem ele de menos que os modernos cabeleireiros como o Olivier Dashkin, que tem lojas por todo o lado aqui e em Londres, Paris, Nova York? Os instrumentos são praticamente iguais, a rapidez e o preço idem, a qualidade do Marcello superior. Porquê? Porque é que este barbeiro vai infalivelmente acabar e não ser substituído por outro do género e os Olivier Dashkin vão prosperar?
Resposta, acho eu: falta de fôlego financeiro. A Olivier Dashkin (a empresa) tem dinheiro a rodos para publicidade e para alugar bons espaços em sítios privilegiados e várias cidades. Com a especulação imobiliária, só empresas destas conseguem sobreviver porque podem dar-se ao luxo de contratar um exército de jovenzinhos sem experiência a quem ensinam meia dúzia de cortes estereotipados e pronto está a andar...
E pergunto: qual a vantagem? A não ser para os donos da coisa?
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