17.2.04

Hora da crónica. Por Ruy Ventura.

Comecei a publicar em inícios dos anos 90 em jornais de difusão regional, considerando (ontem como hoje) serem eles os mais discretos - e, muitas vezes, os mais importantes - mensageiros da informação que se aproxima das pessoas e de uma parcela fundamental da Cultura do nosso país. E, se mais valor não tivessem, bastar-lhes-ia serem talvez o único elo que vai ligando tantos portugueses à leitura, nesta "sociedade da informação" que informa pouco, entretém muito e manipula demais.
Muitos destes jornais vivem dentro de limites: limites no espaço da sua difusão, limites de tempo e económicos de quem os põe de pé mês após mês, semana após semana, limites de quem procura dentro deles um equilíbrio local (sempre instável), dentro de comunidades humanas quantas vezes fechadas, dominadas por caciques sinistros, na procura (nem sempre conseguida) de uma informação regional não provinciana. Alguns deles chegam mesmo a ser sufocados por interesses obscuros, encarnados por gente muito duvidosa que procura transformar a imprensa escrita em instrumento de poder, de autoritarismo e/ou de manipulação ideológica, em veículo de inveja, de mediocridade, de vingança e/ou de chantagem. Outros há, porém, que são autênticos exemplos de heroísmo cívico, resistindo com todas as forças de quem os escreve e dirige ao assalto anti-democrático de certa gente que utiliza como arma de arremesso social a legitimação popular emanada de eleições, que tenta enganar uns e outros invocando o nome de um Deus em que não acreditam, que se dizem defensores de uma paz (podre) que esconde apenas violência interior e cobardia. Pessoas que usam estes meios para camuflarem as suas reais intenções: calar vozes incómodas, alimentar clientelas políticas e de outra índole, acabar com a qualidade para que a sua mediocridade nunca se revele, estupidificar para que a cidadania não passe dum chavão - e assim possam saciar a sua sede de domínio.
Por tudo isto considero tanto a imprensa regional e local, pois tenho como certo e inegável o seu papel de discreta mensageira - veículo privilegiado de comunicação entre os membros de uma comunidade e desta com o exterior, ponte cuja extensão consegue ligar à terra (ao húmus materno, humilde e religador) quantos nela residem ou quantos dela partiram em busca de outra dignidade, retrato-memória de um tempo local(izado), de uma identidade enraizada - "uma memória qualificada de um tempo e de um modo de viver", para utilizar a expressão feliz de José do Carmo Francisco.
Isto anda tudo ligado - dizia Eduardo Guerra Carneiro (poeta-jornalista recentemente falecido e de que já temos saudades)... Num mundo consumista em que os "patos bravos" não têm atingido qualquer período de recessão, mas vários de infestação, num tempo em que a comunicação social se aproxima do inconcebível - contra a Ética e a Cidadania, a favor da chantagem e da destruição, procurando audiências a todo custo, nem que para isso seja preciso dar cabo da dignidade do Homem pondo em prática numa ditadura encapotada, os jornais regionais devem ser cada vez mais instâncias de qualidade e de dignidade. Concretizam assim uma missão importantíssima: aproximar a informação do cidadão, não para o apagar na sua individualidade mas para o elevar; levar à mesa dos portugueses a verdadeira Cultura, aquela que ilumina e abre horizontes; estimular a criatividade individual e colectiva; promover a liberdade de pensamento e de expressão; ajudar a construir - com todas estas pedras angulares - uma sociedade verdadeiramente democrática.


Ruy Ventura