20.1.04

SHARON OLDS: DIA 3 E ÚLTIMO.

Terceiro poema de Sharon Olds, numa tradução ainda inédita de Margarida Vale de Gato.



A LINGUAGEM DA BAZÓFIA

Desejei ser a primeira a fazer pontaria com a faca,
desejei usar os meus braços extraordinariamente robustos e certeiros
e a minha postura erecta e os músculos ágeis e eléctricos
para alcançar algo no centro da multidão,
o fio da navalha perfurando profundamente o casco,
o punho vibrando lento e pesado como o caralho.

Desejei uma função épica para o meu excelente corpo,
um qualquer heroísmo, uma qualquer proeza americana
para além do ordinário para a minha pessoa extraordinária,
magnética e tênsil, junto ao campo de terra batida
vi os rapazes jogarem.

Desejei bravura, pensei em fogo,
em atravessar cataratas, arrastei por toda a parte

a barriga cheia de cobardia e segurança,
a minha bosta negra com as ampolas de ferro,
as minhas grandes mamas exudando muco,
as minhas pernas inchando, as minhas mãos inchando,
a minha cara inchando enegrecida, o meu cabelo
caindo, o forro do meu sexo
esfaqueado vezes sem conta por uma dor terrível como um punhal.
Jazi estendida.

Jazi estendida e suei e tremi
e expeli sangue e fezes e água e
devagar sozinha no centro de um círculo
expeli a nova pessoa
e eles ergueram a nova pessoa já livre do acto
e limparam a nova pessoa já livre
dessa linguagem de sangue tal louvor sobre todo o corpo.

Fiz aquilo que quisestes fazer, Walt Whitman,
Allen Ginsberg, fiz isto,
eu e as outras mulheres este acto
excepcional com o corpo excepcional e heróico,
este dar à luz, este verbo brilhante,
e deponho aqui a minha jactante bazófia americana
em pé de igualdade com outras.


De "Satanás Diz", livro a editar em breve pela Antígona, com tradução de Margarida Vale de Gato.