20.1.04

Post Scriptum #125

Experiência com Kaváfis

Uma pequena experiência, instigada por um post do abrupto personagem. JPP apresentou uma tradução de um poema de Konstantinos Kaváfis no seu blogue. Outros blogues apresentaram outras. Aventurei-me a fazer a minha versão portuguesa provisória, que é a seguinte:

Mar da Manhã

Vou deter-me aqui. E fitar também eu um pouco a natureza.
Deste mar da manhã e deste céu sem nuvens
azuis fundos brilhantes e praia amarela – tudo
banhado em bela e sumptuosa luz.

Vou deter-me aqui. Na ilusão de que é isso que vejo
(e, na verdade, vi, um instante, ao chegar)
e não também aqui as minhas fantasias,
minhas recordações, imagens do prazer.



JPP apresentou esta tradução de R. M. Sulis, M. P. V. Jolkesky, A. T. Nicolacópulos,



MAR DA MANHÃ

Hei de deter-me aqui. Também eu contemplarei um pouco a natureza.
Do mar da manhã e do céu inube
azuis brilhantes, e margem amarela; tudo
belo e grandiosamente iluminado.

Hei de deter-me aqui. E me enganar que os vejo
(em verdade os vi por um momento ao deter-me)
e não também aqui minhas fantasias,
minhas recordações, as imagens do prazer.

[51, 1915]

ΘΑΛΑΣΣΑ ΤΟΥ ΠΡΩΙΟΥ

Εδώ ας σταθώ. Κι ας δω κ’ εγώ την φύσι λίγο.
Θάλασσας του πρωιού κι ανέφελου ουρανού
λαμπρά μαβιά, και κίτρινη όχθη• όλα
ωραία και μεγάλα φωτισμένα.

Εδώ ας σταθώ. Κι ας γελασθώ πως βλέπω αυτά
(τα είδ’ αλήθεια μια στιγμή σαν πρωτοστάθηκα)•
κι όχι κ’ εδώ τες φαντασίες μου,
τες αναμνήσεις μου, τα ινδάλματα της ηδονής.

O blogue Absorto, apresentou esta versão de Jorge Sena:


O mar pela manhã

Deixem-me estar aqui. Que também eu contemple,
um pouco, a natureza - o mar, nesta manhã,
o céu azul sem nuvens, de um e de outro a luz
onde se alonga amarelada praia.

Deixem-me estar aqui. Que eu pense que isto vejo
(não é que o vi um instante, quando aqui parei?)
Tudo isto só - e não, também aqui, visões,
memórias, e os espectros do prazer antigo.

(1915)

A Bomba Inteligente, esta outra de Joaquim Manuel Magalhães e Níkos Pratsínis

MAR DA MANHÃ

Que eu me detenha aqui. E que também eu veja um pouco a natureza.
De um mar da manhã e de um céu sem nuvens
roxas cores brilhantes e margem amarela; tudo
belo e grande iluminado.

Que eu me detenha aqui. E que me engane para ver isto
(vi de verdade isto por um instante quando primeiro me detive);
e não aqui também os meus devaneios,
as minhas recordações, os modelos da volúpia.


A finalizar umas pequenas notas, muito breves e meramente exploratórias. A expressão "Edô as stathô" (que traduzi por "vou deter-me aqui") é o equivalente ao inglês "Let me stay here". Não percebo porque Jorge de Sena traduz "indálmata" por "espectros" e JMM-NP traduzem a mesma palavra por "modelos": "índalma", em todos os meus dicionários, significa "imagem", "reflexo", "imagem fantasiosa" e pode significar ídolo em expressões como "Madonna é o ídolo da juventude". Por fim, nenhuma das versões procura reproduzir o ritmo do original (que não tem métrica igual à portuguesa, mas aí está o desafio): Jorge de Sena reduz a versificação ao alexandrino. Não quero dizer que a minha versão está perfeita neste aspecto, mas na minha modesta opinião aproxima-se mais do modelo grego.