16.1.04

Post Scriptum #121

CENA DA TENTAÇÃO

Diálogo entre o arcebispo Tomás Becket e o Primeiro Tentador, incluído na Primeira Jornada, da peça "Assassínio na Catedral", de T. S. Eliot.


TOMÁS:
Muito não sabemos do futuro.
Só que de geração a geração
Coisas iguais sempre se repetem.
Pouco a experiência dos homens ganha com a dos outros.
Mas à vida do homem nunca o mesmo tempo volta.
Quebrai-lhe o fio;
Caem dos olhos escamas;
Só o louco obstinado pensar pode
Ser ele quem move a roda que o transporta.

(…)

PRIMEIRO TENTADOR:
Não nesta andadura!
Tão depressa… doutros incitareis o ardor.
Vossa senhoria, orgulho tem em demasia!
Fera bem segura mais não rugiria…
Tais não são as vias do Rei nosso senhor!
Não costumáveis ser duro assim para o pecador
Quando éreis amigos… Aceitai!
Quem não é difícil come do melhor.
Segui conselho amigo: deixa o bem em paz
Ou vosso pato assado só ossos vos traz…

TOMÁS:
Vindes vinte anos atrasado.

PRIMEIRO TENTADOR:
Deixo-vos pois o vosso fado.
Vos fica o prazer de bem mais altos vícios
Que pagareis com altos sacrifícios.
Adeus, senhor: não faço cerimónia;
Vou como vim esquecida a acrimónia;
Espero que vossa presente gravidade
Possa escusar-me a vã leviandade.
Se em vossas preces, senhor, minha pessoa for lembrada,
Eu de vós me lembrarei… à hora dos beijos… sob a escada…

Tradução de José Blanc de Portugal.
Edições Cotovia, 1989.