31.1.04

Cimbalino Curto #58

Cinemas do Porto




Quem só conhece o Porto de hoje não imagina o que foi o Porto de ontem. Mas basta atentar nos edifícios que ainda agora albergam casas de espectáculos para perceber que houve tempos em que a vida cultural da cidade não estava morta, nem por sombras.

O Teatro São João, construído em 1798, não foi feito para criar galinhas: ali se representavam óperas, bailados e peças de teatro, até aparecer o cinema, altura em que passou a cine-teatro. O Rivoli, antigo “Teatro Nacional”, o Batalha, o Águia d’Ouro, o Sá da Bandeira, o Coliseu dos Recreios (a maior sala de espectáculos do país), o Trindade, cada qual da sua época, não eram propriamente casas de penhores.

Há uma página em construção sobre o assunto.

Em matéria de cinema, pode dizer-se até que o Porto foi pioneiro: já na primeira década do século XX havia projecções regulares no Salão High-Life, que, depois, mudado para a Praça Batalha, veio a chamar-se Cinema Batalha (o famoso cinema do “Vai no Batalha”). E a cidade não se limitou a ver, mas aventurou-se também no fazer. Foi aqui que Aurélio da Paz dos Reis fez os primeiros filmes portugueses. Houve também, muito cedo, os Estúdios Invicta Filmes, ao Carvalhido, e a Caldevilla Film.

Ver também esta página, “Quando o Porto era a capital do cinema”.

Mas isso era no tempo em que havia uma burguesia e uma pequena-burguesia relativamente cultas (Manoel de Oliveira, graças à sua longevidade, é talvez um dos últimos representantes dessa gente), as quais vieram a ser substituídas por figuras como o famoso comendador Avílio Vatateiro e os agora não menos famosos empresários do Norte, que, à falta de melhor, têm estátua abstracta na Avenida da Boavista.

É por isso que o actual espectáculo desolante não representa uma incapacidade congénita das gentes da cidade em ascenderem à civilização, mas mais propriamente o que se poderia chamar uma involução, para não lhe chamar decadência, palavra demasiado pesada para o meu estômago. E essa involução corresponde à modernização da cidade. Cinemas no centro não temos, mas “temos” centros comerciais e a Exponorte. Não temos Aurrélio da Paz dos Reis, mas temos o Manuel Serrão.

É esta involução que deixa na boca das gentes do lugar aquele sabor a roubo histórico, aquele ressentimento que por vezes se vira contra todos os “inimigos exteriores”. Nada de mais corriqueiro.

Já agora, vamos salvar o Águia d’Ouro?