Post Scriptum #92
Hoje publicamos o segundo e último poema dessa extraordinária sequência intitulada Gymnopedías, de Yorgos Seféris (1900-1971), em tradução inédita de Manuel Resende.
Há algumas notas sobre estes poemas em Post Scriptum #91.
GYMNOPEDÍAS
II.
MICENAS
Dá-me as tuas mãos, dá-me as tuas mãos,
Dá-me as tuas mãos.
No meio da noite vi
O cume eriçado do monte,
Vi o campo mais além, inundado
Pela luz de uma lua oculta,
Vi, voltando a cabeça,
As negras pedras amontoadas
E a minha vida tensa como corda,
Princípio e fim.
O último instante;
As minhas mãos.
Soçobra quem levanta as grandes pedras.
Estas pedras, ergui-as enquanto pude,
Estas pedras, amei-as enquanto pude,
Estas pedras, o meu fado,
Sufocado pela minha própria terra,
Atormentado pela minha própria camisa,
Condenado pelos meus próprios deuses,
Estas pedras.
Sei que eles não sabem, mas eu,
Que tantas vezes segui
O caminho do assassino ao assassinado,
Do assassinado ao pagamento
E do pagamento ao outro assassinato,
Tacteando
A púrpura inesgotável,
Na noite do regresso
Em que começaram a sibilar as Eríneas
Na erva escassa -
Vi as serpentes cruzadas com as víboras
Emaranhadas por sobre a raça vil,
O nosso fado.
Vozes da pedra, vozes do sono,
Mais fundas aqui onde o mundo escurece,
Memória do esforço que se enraíza no ritmo
Marcado na terra com passos
Esquecidos.
Corpos enterrados nas fundações
Do outro tempo, nus. Olhares
Fitos, fitos numa marca
Que, por mais que queira, a gente não consegue distinguir;
A alma
Que luta por vir a ser a tua.
Nem já o silêncio te pertence,
Aqui onde pararam as mós.
Tradução inédita de Manuel Resende.
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