17.12.03

O Povo é Sereno #27

O mais polémico dos nossos leitores está de regresso. Ricardo Carvalho reage a um texto que o Nuno Corvacho publicou no jornal Público, de Sábado, a propósito da reabertura de dois cafés históricos do Porto, o Guarani e a Brasileira. Infelizmente, o texto do Nuno não está disponível on line.
Seguem-se os inevitáveis comentários.


Reabriram dois cafés na baixa da Cidade do Porto e os autores deste blog já tiveram oportunidade de se pronunciar acerca do tema. Da forma como é mencionada, a glória dos cafés no Porto deve ser da mesma época em que o Benfica ganhava campeonatos de futebol. Mas posso estar enganado, como é óbvio : )

Nuno Corvacho fê-lo também no jornal Público, este fim-de-semana. Faço aqui esta referência porque nem todos os leitores deste blog têm acesso ao suplemento Local Porto deste jornal. Quem não conhecer o Porto tenha cautela, desconfie. Quem não conhecer Lisboa, também. O texto é demais, nem dá para acreditar em tal falácia. Fiz o seguinte exercício: onde se lia "Lisboa" coloquei "Porto", e onde se lia "Porto" substituí por "Coimbra" (também o poderia fazer com outra cidade). Eis o resultado:

"Se há algo de que Coimbra se pode ainda gabar, quando comparada com o Porto, é da qualidade, diversidade e amplidão dos seus cafés. Na capital do Norte, com efeito, o que se verifica é o 'nivelamento por baixo': há vastos territórios da cidade onde não existe um único café digno desse nome, e os que vai havendo, em povoamento disperso, são, por norma, demasiado exíguos, tantas vezes com as mesas coladas umas às outras numa febre de aproveitamento do espaço, onde a privacidade é naturalmente uma miragem, sendo lugares onde normalmente não apetece estar, mais apropriados às vagas de apressados e desconsolados "comes-em-pé" que invariavelmente os invadem à hora das refeições; não há por isso meio-termo, já que se passa rapidamente e sem transição dos chamados "cafés históricos" e com "pedigree" (como são os da Baixa, por exemplo) para o modelo "francesinharia" manhosa, ficando de permeio um imenso espaço vazio sem uma oferta "mainstream" com o mínimo de qualidade. Sabendo-se como por esse mundo fora grande parte da vida cívica, da massa crítica e do carisma das cidades se mede pela bitola dos estabelecimentos onde as pessoas podem calmamente sentar-se a uma mesa, tomar uma bebida e conversar, o panorama geral que se vive no Porto, salvo raríssimas excepções, é, de facto indigno de uma segunda cidade de um país europeu.
Em Coimbra, felizmente para os conimbricenses e para os turistas que visitam a cidade, é justo reconhecer que o cenário é diferente: há muito mais por onde escolher, a densidade de estabelecimentos do género é incomparavelmente maior, e pode mesmo dizer-se, sem grande risco de erro, que é também mais fértil o cultivo da chamada "vida de café"." E por aí fora.

Soa estranho, não é? Se eu publicasse este texto no jornal "Diário das Beiras" ou no "Diário de Coimbra" de certeza que os leitores que conhecem o Porto diriam o mesmo que eu digo em relação ao texto do Nuno: "Cuidado que isso não é bem assim! Ou o autor não conhece bem o Porto ou então é mal intencionado."

Ideias velhas e usadas são como cacos de vidro. Perigosas porque cortam, não se devem reutilizar mas sim reciclar. Só se reutilizam para pôr em cima dos muros, espetados no cimento com as arestas mais cortantes e bicudas viradas para o suposto invasor. Só para intimidar, portanto. Ter vizinhos que fazem isso é desagradável. Para quem se fecha assim ainda é pior, demonstra medo do mundo exterior e com certeza que não deve ter muitos amigos lá fora.

Parece-me mais profícuo para todos procurar o que nos une em vez de continuar a conversa do "meu café é melhor que o teu", até porque neste caso tenho sérias dúvidas que isso seja verdade.

Quanto aos cafés, já lá fui e estão muito bonitos. O Guarani é uma versão light do Majestic por ser mais acessível que o irmão mais velho. Mas ainda tem muito brilho. É preciso embaciar um bocado, riscar as mesas e depois logo se verá.

Gostei mais do serviço da Brasileira, simpático e descontraído. Parece que tem um restaurante e uma cave com mesas, mas ainda tenho de investigar melhor. Já disse aos responsáveis para tentarem procurar outra solução para as arcas congeladoras e frigoríficos que produzem um ruído alto e monótono, verdadeiramente ensandecedor. Na tv (que é muito pequenina e discreta) se calhar em vez da sport tv com o campeonato italiano de futebol podia-se arriscar um canal de música, desenhos animados, fashion tv, sei lá, procurar uma faixa etária que frequente um sítio fora de casa às 22h00 (que não seja um bordel). A melhor parte é que é uma pechincha! Café 0,50 €.

Já agora, quando lá forem não estacionem o carro em cima do passeio, é desagradável para quem vive perto e vai lá a pé : b


Ricardo Carvalho