4.12.03

ADRIENNE RICH: DIA 7




Sexto poema (segunda parte) da breve antologia de Adrienne Rich, em tradução inédita de Margarida Vale de Gato.



DESPERTAR NAS TREVAS


2.

Estamos de pé na bicha à porta de alguma coisa
dois a dois, ou sozinhos em pares, ou simplesmente sozinhos,
a olhar para janelas cheias de tesouras,
janelas cheias de sapatos. A rua estava a fechar,
a cidade estava a fechar, seríamos nós os que teriam a sorte
de conseguir? Exibiam
numa redoma de vidro, o Homem sem País (1).
Nós atirámos-lhe à cara os passaportes, chorámos por ele.

Estão a despejar sangue de animais no mar
para que os tubarões venham ao de cima. Às vezes
cada orifício do meu corpo
pinga sangue. Não sei se hei-de
fingir que é uma coisa natural.
Haverá uma lei sobre isto, uma lei da natureza?
Vós adorais o sangue
vós chamais-lhe sangria histérica
vós quereis bebê-lo como leite
vós embebeis nele os dedos e escreveis
vós desmaiais ao seu cheiro
vós sonhais em despejar-me no mar.

(1) Referência ao conto "Man Without a Country" (1863) de Edward Everett Hale (1822-1909).


(in Diving Into the Wreck, 1973)


Tradução inédita de Margarida Vale de Gato.