30.11.03

Post Scriptum #87

ADRIENNE RICH: DIA 4




Quarto poema da breve antologia de Adrienne Rich, em tradução inédita de Margarida Vale de Gato.



de “FONTES”

VII

Durante anos porfiei contigo: as tuas categorias, as tuas teorias, a tua vontade, a crueldade que derivava inextrincavelmente do teu amor. Durante anos, todas as discussões que alimentei em pensamento foram contigo. Via-me, a filha mais velha criada como um filho, ensinada a estudar mas não a rezar, ensinada a prezar a leitura e a escrita como coisas sagradas: a filha mais velha numa casa sem filhos, a que tinha de derrubar o pai, pegar no que ele lhe ensinara, usá-lo contra ele. Tudo isto num castelo no ar, o mundo flutuante dos assimilados que sabem e negam que hão-de ser sempre estrangeiros.
Após a tua morte, tornei a encontrar-te no rosto da patriarquia, podia por fim classificar rigorosamente o princípio que encarnavas, havia por fim uma ideologia que me permitia arrumar-te, identificar o sofrimento que provocaste, odiar-te por justa causa como parte de um sistema, o reinado dos pais. Vi o poder e arrogância do macho como a tua genuína imagem de marca; não vi por baixo dela o sofrimento do judeu, a insígnia estrangeira que usavas, já que deliberadamente quiseste que fosse invisível para mim. Só agora, sob uma lente tremenda, de mulher, consigo decifrar o teu sofrimento e não negar qualquer parte do meu.

(Sétimo poema da sequência «Sources» in “Your Native Land, Your Life: Poems”, 1986)



Tradução inédita de Margarida Vale de Gato.