Post Scriptum #76
DUAS VARIAÇÕES SOBRE UM TEMA LENTO.
PRIMEIRA VARIAÇÃO
Caracol da Lua
(Ted Hugues)
A coisa mais triste que há na lua é o caracol sem concha.
Só é possível localizá-lo através do canto, um lamento pungente de quebrar o coração
e que soa como se algo o estivesse a perfurar.
O seu movimento é uma batalha lenta e cruel.
Triste, molhado, com frio, parece uma lágrima enorme
em fina pele. Arrasta-se no perto que é o seu longe
à procura de um abrigo contra o sol –
porque o primeiro raio logo o derretia e depois era preciso correr.
Só quando a noite cai na lua ele pode mexer-se à vontade,
com aqueles seus músculos ondulantes e o muco a escorrer
mas não há nenhum lugar na lua que sirva de garagem
para um caracol assim. Não é que seja muito comprido,
mede é quilómetro e meio de largo.
É inútil procurar um lugar para se esconder.
E assim, lamentando-se sempre e espetando os cornichos
lá vai tacteando no arco escuro da lua.
Já procurou por tudo quanto é sítio. Eu creio
que o tom prateado da lua lhe vem do muco dos caracóis.
SEGUNDA VARIAÇÃO
Caracol Estrelado
(Vasko Popa)
Deslizaste depois da chuva
Depois da chuva de prata
As estrelas com seus ossos
Sós construíram-te uma casa
Aonde a levas sobre uma toalha
O tempo capenga te persegue
Para alcançar-te para esmagar-te
Estende os chifres caracol
Te arrastas por uma face gigante
Que jamais hás de fitar
Direto para a boca do nada
Retorna à linha da vida
À minha palma de mão sonhada
Enquanto não é tarde demais
E deixa-me como herança
A toalha mágica de prata
Berloque de ouro em forma de caracol,
Colômbia,
300 a.C. - 1000 d.C.
Primeira variação: Ted Hugues, O Fazer da Poesia, Assírio & Alvim, 2002. Tradução de Helder Moura Pereira.
Segunda variação: Vasko Popa, Osso a Osso, Perspectiva, 1989. Tradução de Aleksandar Jovanovic.
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