26.11.03

O Povo É Sereno #20

A propósito de "O Povo é Sereno #19", publicado no dia 21, pelo Pedro Pombo, recebemos esta mensagem do nosso leitor Ricardo Carvalho.

Na sexta-feira passada fiquei perplexo ao ler o post "O Povo é Sereno #19". Verifiquei então que, numa linguagem extremamente dura, o Sr. António Pedro Pombo tecia alguns comentários acerca da minha pessoa.

No fundo, o António nada diz sobre o que eu escrevi. Limita-se, num estilo (também já ouvi a designação: "vou-te dar uma resposta à Pinto da Costa") a que certos comentadores e figuras públicas já nos habituaram, a diminuir a pessoa como forma de refutar os seus
argumentos. Não creio que comunicar assim seja proveitoso para nenhum dos dois.

Dada a agressividade das suas palavras, inferi que devo ter tocado em algum ponto sensível (neste caso sim, involuntariamente). E pelo conteúdo do post, calculo que tenha sido naquela parte em que digo "fdx, a malta do Porto que bebe vinho tinto e bate nas mulheres". Estou convencido que o António não bate nas mulheres, mas o mesmo já não posso dizer em relação às pessoas que, de boa fé e com o intuito de provocar o debate (de ideias, não acerca de pessoas, dos seus dotes intelectuais ou literários), participam neste blog. Quanto ao vinho tinto, confesso que eu próprio também sou um apreciador : )

Neste texto sou classificado como "’anti-portista’ de grau "primário". Antes de mais gostaria de saber o que isso é. Será que o António com os poucos dados que tinha sobre mim, juntamente com "construções mentais, ou caricaturas grosseiras (...) divulgadas e popularizadas, nomeadamente através do sistema mediático" (a dita comunicação social
do Porto?), inferiu esta classificação? No seu post o António faz referência às pessoas que incorrem nesse erro, classificando-as também.

Pessoalmente gosto de me socorrer da minha formação (académica neste caso) como uma ferramenta, não como uma arma. O resumo que o António faz do interessante tema das representações sociais deveria servir para auxiliar uma reflexão mais profunda acerca dos problemas e oportunidades que se colocam às pessoas que vivem na Área Metropolitana do Porto, não para atacar uma pessoa que tem um ponto de vista que lhe parece diferente do seu. Creio que seria um desgosto para Serge Moscovici e outros ver o seu trabalho usado desta maneira.

Assumo que as minhas críticas não têm sido muito construtivas, mas esta resposta levou-me a reflectir um pouco mais sobre o Porto. Uma vez que vou generalizar, salvaguardo de antemão as necessárias excepções à regra.

As pessoas que se identificam como sendo do Porto (a malta do Porto) funcionam, segundo me parece, numa lógica de um grupo com uma elevada coesão interna. De facto, no Porto não há muitas "ondas". Toda a gente se identifica mais ou menos com as mesmas coisas (ídolos, feitos colectivos marcantes, formas de vestir (é um stress encontrar roupa gira no porto), locais de diversão ou de lazer, etc. Como todos os grupos muito coesos, a malta do Porto reage muito mal à diferença (o que é normal), procurando afastar as "ovelhas negras".

No Porto não há muitos grupos diferentes (ou pelo menos com peso) daí que num clima conjuntural de elevada instabilidade não tenha armas para se defender. A existência de diversidade interna sempre foi um factor benéfico para o grupo em momentos difíceis e de incerteza. Actualmente parecem beneficiadas as cidades que se abrem ao mundo, que acolhem a diferença e a integram na sua identidade.

Claro que a herança é pesada. O Porto foi a "capital do trabalho", talvez a única cidade verdadeiramente industrial em Portugal. Nesse clima é obvio que interessava a quem das pessoas tira(va) proveito criar um clima de elevada coesão e adesão aos seus objectivos (ou que pelo menos que não os pusessem em causa), ao mesmo tempo que não convinha que houvesse quem pensasse pela sua própria cabeça e tivesse iniciativa, dado os riscos que isso comporta para um sistema social que faz da submissão à autoridade um pilar basilar.

Os custos dessa herança são pesados. O capital intelectual do Porto é muito baixo. A este nível creio dificilmente se pode considerar a segunda cidade. Cidades como Aveiro, Braga e de certa forma Coimbra podem ser consideradas como sendo cidades com um capital intelectual muito mais elevado (considerando o ratio populacional). Hoje em dia nas sociedades desenvolvidas (a que creio que as pessoas do Porto têm direito de pertencer) são precisas ideias e conhecimento, o trabalho passou a ter um papel secundário.

O Porto precisa de se abrir ao mundo, de aceitar o custo que isso acarreta para colher os seus proveitos. O cerco já acabou! agora temos de nos abrir ao mundo, procurar aquilo que nos une aos outros em vez de salientar aquilo que nos divide e sempre nos dividirá.

Gostaria que o António e todos os outros que o desejem me ajudassem nesta minha análise colocando as suas questões, complementando-as ou apontado as suas fragilidades.


(Ricardo Carvalho)