Post Scriptum #53
Poeta, dramaturgo e ensaísta, Zbigniew Herbert foi talvez o maior autor polaco do século XX. Nasceu em 1924, em Kviv (ex-Lwow, na Ucrânia ocidental, à época território polaco) e tornou-se conhecido sobretudo depois da publicação da sua obra-prima "Pan Cogito". Teve numerosos problemas com o regime comunista polaco até se exilar em França, em 1982. Depois da repressão ao Solidariedade, Herbert recusou a publicação de todas as suas obras na Polónia, onde regressou apenas em 1992, depois da queda do comunismo. Morreu em Varsóvia, aos 73 anos, em 1998.
Apesar da extraordinária beleza da sua obra, Herbert não teve a mesma fortuna de outros autores polacos como Wislawa Szymborska (Nobel da Literatura em 1996) ou Czeslaw Milosz (naturalizado americano e Nobel da Literatura em 1980). Se exceptuarmos a inesquecível tradução do poema "Sobre Tradução de Poesia" feita por Herberto Helder, que abre o seu livro Ouolof (Assírio & Alvim, 1997), e a breve prosa poética incluída na Rosa do Mundo (Assírio & Alvim, 2001), não se conhecem outras versões de Herbert editadas em Portugal (corrijam-me se estiver enganado).
No Brasil, porém, existe uma antologia de poetas polacos, editada pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (Quatro Poetas Poloneses - Czeslaw Milosz/Tadeusz Rózewicz/Wislawa Szymborska/Zbigniew Herbert, organização e tradução de Henrik Siewierski e José Santiago, Secretaria de Cultura do Paraná, 1995), da qual conheço apenas a referência bibliográfica e que, suponho, não terá gozado de larga publicidade. (Se tivéssemos um leitor brasileiro que nos pudesse falar desse livro…)
Miguel Gonçalves, nosso colaborador, traduziu este poema de Zbigniew Herbert a partir da versão inglesa feita por Czeslaw Milosz e Peter Dale Scott (Selected Poems, Ecco Press, 1986).
EU QUERIA DESCREVER
Eu queria descrever a mais simples das emoções
alegria ou tristeza
mas não como outros o fazem
invocando raios de sol ou chuva
Eu queria descrever a luz
que cresce dentro de mim
mas que não se assemelha
a nenhuma estrela
porque não é tão brilhante
nem tão pura
e é incerta.
Eu queria descrever a coragem
sem arrastar um leão de pó atrás de mim
e a ansiedade
sem agitar um copo cheio de água
dito de outro modo
daria todas as metáforas
em troca de uma só palavra
do meu peito arrancaria uma costela
por uma só palavra
sufocada dentro das fronteiras
da minha pele
mas aparentemente isso não é possível
e para dizer apenas – eu amo
ando às voltas como um louco
apanhando pássaros e pássaros com as mãos
e a minha ternura
que afinal não é feita de água
pergunta à água por um rosto
e a raiva
diferente do fogo
pede ao fogo
uma língua eloquente
e nada é nítido
e nada é inteiramente nítido
em mim
cavalheiro de cabelos brancos
separação de uma vez para sempre
e disse
isto está no poema
isto é o objecto
caímos no sono
com uma mão debaixo da cabeça
e a outra numa pilha de planetas
os nossos pés abandonam-nos
e provam a terra
com as suas raízes subtis
que despedaçamos dolorosamente
na manhã seguinte
Tradução de Miguel Gonçalves.
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