Post Scriptum #48
Hoje há poesia dos Países Baixos e da Flandres na Casa Fernando Pessoa. Para assinalar a realização das Jornadas de Cultura Neerlandesa (Lisboa, 10 a 26 de Outubro de 2003), de que este blog aceitou ser o patrocinador exclusivo, publicamos um belíssimo poema do poeta holandês Hans Warren (1921-2001).
CLARO
Claro que o moço na duna teve de notar
que eu o olhava intensamente.
Claro que depois passou por perto de mim
com muitos movimentos dispensáveis
mesmo fazendo como quem diz que não me via.
Claro que começou um ballet de primavera
com um miúdo amigo e uma bola,
claro que se fartou, em jeito demasiado à menina,
de passar a mão pelos longuíssimos cabelos
e olhou por cima do ombro ao fazê-lo,
dentes brilhando num rosto escuro.
Claro que mais tarde se deitou
mastigando indolente um pé de erva
naquele tocante calção de banho desbotado
sozinho numa quente concavidade da duna.
Claro que me afastei sem barulho e despercebido
e claro que passo o dia a arrepender-me disso.
Uma Migalha na Saia do Universo, Antologia da Poesia Neerlandesa do Século Vinte, Selecção de Gerrit Komrij, Tradução de Fernando Venâncio, Assírio & Alvim, 1996.
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