4.4.05

Dona Aninhas e a morte do Papa.

Morreu o papa, e que mais poderemos dizer? Nada mais nos resta do que comentar os comentários sobre a sua morte, porque já tudo foi dito. Uns comentaram com a cabeça, outros com o coração, outros com o fígado, outros com as patas. A mim interessam-me principalmente os comentários dos grandes deste mundo, porque estamos nas mãos deles. Assim, o nosso imperador Bush lamentou sobretudo a morte do grande lutador pela liberdade (ou seja, o homem que ajudou muito a derrubar o comunismo). Internamente, Sócrates foi politicamente correctíssimo e afirmou que todos os portugueses lamentavam, o que é verdade mas também mentira (muitos não lamentam, mas saúdam, por piedade, a morte de um velho de 84 anos em longa agonia); Jorge Sampaio foi o mais digno, e eu faço minhas as palavras dele: os católicos portugueses estão de luto e a Presidência da República apresenta as suas condolências à Igreja Católica (sentida homenagem de um chefe de Estado republicano e laico a um chefe religioso). A única novidade que posso aqui apresentar é o comentário da Dona Aninhas, que adora a minha cadela Dacha, não sem antes traçar dela um breve perfil: mulher do povo (embora me tenham dito que, com a modernização, o povo já não existe), faz limpezas nas escadas da minha praceta suburbana, rija, católica de alma e coração e, espantem-se, sabe pensar (inventou mesmo uma mistura de detergentes que impede que os cães mijem nos patamares e os faz fugir a catorze pés). É uma católica tão fervorosa que eu, porque a adoro e pelo respeito que lhe tenho, nunca lhe disse qual a minha opinião sobre a fraude Fátima. Disse-me ela: «O papa morreu mesmo, coitadinho, não sei por que é que fazem como se ele estivesse vivo e fosse fazer uma viagem para o céu. E, mesmo, Deus me perdoe, ele até pode nem ir para o céu, Deus é que sabe. E depois já querem fazer dele santo. Ora, santos já nós temos muitos, o que é preciso é um papa que olhe pelos pobres.»

Filipe Guerra