30.9.04

Cimbalino Curto #112

Três semanas foi o tempo que demorou uma miríade de semáforos a invadir a cidade.
Cresceram como uma praga de cogumelos. O Porto está pejado deles. E para além dos que eram uteis e necessários, agora há um monte deles em locais impensáveis. (...) Já agora queria um no meu jardim, se sobrarem, claro, para parar os caracóis.

O Povo é Sereno #161

Descubra as diferenças entre os assessores:

Assessor 1; Assessor 2.

Ilha dos Amores #93



Pormenor na Rua do Bonjardim.
Fotografia de Francisco Costa.

Post Scriptum #370



Leopoldo María Panero
(Espanha, n. 1948)

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

Os homens do viet são tão belos quando morrem.
A água do rio, lambendo as suas pernas, fazia mais sexual
a sua ruína.
Depois vieram as Grandes Chuvas procurando
a vagina esfomeada da selva e apagaram tudo.
Ficou apenas nos lábios a sede da batalha, para nada,
como baba
que cai da boca sem cérebro.
Hoje
que num leito sem árvores nem folhas
com a tua língua desfolhas a árvore do meu sexo
e cai toda a noite o sémen como chuva
e cai toda a noite o sémen como chuva, diz-me
beijando suavemente o túnel do meu ânus,
cova de anaconda que ainda me marca
os ritmos da vida, diz-me o que era, o que é,
o que é um cadáver.

Tradução de Joaquim Manuel Magalhães.


Há muito mais Leopoldo María Panero, na Janela.

Ilha dos Amores #92



HITCHCOCK NO TIRO AO ALVO

(Re)vendo alguns filmes que Alfred Hitchcock - que estão agora a sair em DVD com a revista TV Guia, penso eu - reparei nalgumas coisas de que ainda não me tinha apercebido. Uma das características que achei mais interessante descobrir foi a notória falta de respeito que Hitchcock tinha para com a autoridade. É indiscutível que o cineasta inglês sempre foi subversivo e que gostava de quebrar todas as regras. A homossexualidade latente em personagens de filmes como "A Corda" ou "O Desconhecido do Norte Expresso" é um facto já mais que estudado, bem como a destruição dos estereótipos de género. A simpatia pelo criminoso é outro dado certo. E a este junta-se a ridicularização das personagens ligadas à autoridade. Os "heróis" dos filmes de Hitchcock são quase sempre pessoas vulgares ou então espiões, principalmente na conturbada altura que ronda a II Guerra Mundial. Mas raramente são, de facto, polícias ou detectives. Apesar destas figuras estarem presentes, são sempre vítimas de um sarcasmo absolutamente perverso e delicioso. O que me fez perceber isso foi uma das cenas finais de "O Homem Que Sabia Demais" (na versão original de 1934). A determinada altura, um grupo de terroristas está encurralado pela polícia dentro de um apartamento. O chefe manda um dos polícias chegar-se ao prédio e quando este se aproxima da casa é morto por um dos criminosos que está na janela, de guarda. Logo a seguir aproxima-se outro e a cena repete-se. Hitchcock continua com isto durante algum tempo e os polícias vão caindo que nem tordos. A mim, parece-me que Hitchcock se divertiu imenso com esta cena de tiro ao alvo aos agentes da autoridade. No fim, quem acaba por resolver a situação é uma mulher, a quem os terroristas tinham raptado a filha. Em diversos filmes acontecem coisas do género. É só verificar "39 Degraus", "Blackmail", "Sabotage", entre outros.


Luísa Marinho

29.9.04

Post Scriptum #369

FOTOGRAFIAS GENTILMENTE CEDIDAS PELA SOCIEDADE HISTÓRICA DE FALL RIVER
(excerto)

(...)
A mobília do gabinete está bem/ polida. Os bibelôs equilibram-se/ nas superfícies. Todos os panos/ pesados estão no seu lugar. Apenas as cabeças/ se acham em desalinho (...)

Sharon Olds (Tradução de Margarida Vale de Gato).

Post It #204

Estás perdoado.

Ilha dos Amores #90



Pormenor na Rua Formosa, Porto.
Fotografia de Francisco Costa.

Post Scriptum #368



Yi Sha
(China, n. 1966)

À ESPERA DE GODOT

num pequeno teatro
utilizado por um grupo de teatro experimental

está em cena
À Espera de Godot

tão antiquado
que não se vêem muitas pessoas

e elas esperam e esperam
Godot não aparece

sabendo que ele não vai aparecer
ninguém está realmente à espera

algumas pessoas começam a bocejar
mas é precisamente nesse momento

mesmo no fim de À Espera de Godot
que alguém salta para o palco

esta imprevisível "imprevisibilidade"
faz o público agitar-se

este intruso mal-intencionado
é afinal o filho ingénuo do porteiro do teatro

não há maneira de o parar
ele corre para o meio do palco

chamando as pessoas
gritando como um doido e pedindo doces

"O Godot finalmente apareceu!"
o público levanta-se a seus pés: uma estrondosa salva de palmas


Tradução inédita de Pedro Amaral. Com base na versão inglesa de Simon Patton.

28.9.04

Umbigo #81



No regresso a Braga, sob as arcadas, no "Astória", recordo os dias em que as empregadas vinham de minissaia e me serviram de inspiração a alguns dos poemas mais emblemáticos. Agora não há minissaias mas este lugar e esta cidade exercem em mim um fascínio irresistível. Não sei explicar, mas só em Braga, e particularmente no seu centro histórico, é que sinto esta sensação de pertença, de familiaridade, de comunhão. Esta visão da esplanada do "Astória", sob as arcadas, é magnífica. As gentes que passam, umas apressadas, outras lentamente, o movimento, a vida. A esta terra pertenço.

António Pedro Ribeiro

Ilha dos Amores #88



UMA CERTA TRISTEZA

E pronto, "c'est fini la comédie". Que para ela foi sempre um pouco de drama por detrás do tal um certo sorriso com que arrasou editores, leitores e, finalmente, a crítica do seu país, dos outros países.
Até na nossa nação, esse lugar-comum cuja beleza não está em causa, lhe tiraram o chapéu, rendidos ao seu charme de francesinha taful literariamente falando. Fez os meus catorze/quinze/dezasseis com o seu "Bonjour tristesse" (vai em franciú porque dito em português perderia, creio, o seu perfume muito próprio de título marcante que nos traz logo à memória uma época), com o seu "Aimez-vous Brahms?", depois com o "Dans un mois dans un an" que a malta que estacionava no Café Alentejano, no Facha, no Central, desbastava de juntura com coisas do Camus, do Faulkner, do Vailland - essas instituições.
Trouxe à literatura uma frescura terra-a-terra, uma desenvoltura que contrastava gostosamente com as aparelhagens mais pesadas e exigentes dum Sartre, dum Lacan, dum Deleuze...
Os seus relatos eram os dos amores e desamores duma garota que já pensava na velhice com um realismo desencantado que de facto embaraçava os optimistas que tinham a certeza de que a ventania que vinha de Leste iria transformar em amanhãs que cantavam o ulular que se sentira chegar dos gulags estalinistas e derivados.
Em Portugal e p'lo mundo fora os aparatchikis de serviço bem tentaram estraçalhá-la: apenas conseguiram aumentar-lhe as vendas e o perfil de favorecida pelos deuses. Depois - mais adestrados nas lides estratégicas de transformar o preto em branco e o branco em preto e aconselhados pelos mentores do notável Marchais (que a sabia toda) - deixaram-na em paz, tanto mais que granjeara a amizade e o apreço de um Picasso, de uma Beauvoir, de um Preminger...
Aqui há anos, em pleno Paris - o Paris que ela tão bem descrevera, a cidade das e dos desiludidos que jornadeavam até Saint-Tropez em busca do amor, dum solzinho de glória ou apenas de outros ares de aventura - topei-lhe a figura de relance na Rua do Rivoli mesmo em frente da torre Saint-Jacques de Nicolas Flamel. E soube por um poeta surrealista daquelas bandas que essa menina-prodígio dos meus tempos de leitor adolescente tinha então problemas de dependência de narcóticos e outras dores interiores.
Deixem-me cá: fiquei de facto emocionado ao saber ontem que batera a bota. Como se, assim o digo, me tivesse tocado na alma um reflexo dos tempos em que eu lia com uma emoção nova os livros dessa mocinha um bocado mais velha - essa ágil e saborosa e agora desaparecida Françoise Sagan.

Nota: Este texto é dedicado à T.


Nicolau Saião

Post Scriptum #367



"Nenhuma Flor" é um livro contra o fogo, com poemas de Sandra Costa e fotografias de Paulo Gaspar Ferreira. É uma edição da In-Libris e do Centro de Estudos das Artes de Belgais, e é uma espécie de lamento a propósito do incêndio que reduziu a cinzas a Granja de Belgais, em Julho de 2004.
Eis quatro versos a título de exemplo:

Alguma coisa há de verdade em tudo isto

palavras como noites envelhecidas

um cotovelo de rio pendurado numa corda

e

um par de asas a corromper o silêncio.

Ilha dos Amores #87



Pormenor na Rua de Sampaio Bruno, Porto.
Fotografia de Francisco Costa.

Post Scriptum #366



A jovem que executara o desenho tinha morrido. Saturara-se tão completamente da embriaguez da vida que pegara e um dia matara-se. Hoje em dia é moda escarnecer de semelhantes histórias. Diz-se que "as pessoas não fazem essas coisas... por alegria!" Ou um "chico-esperto" qualquer, como diria Stanley, referirá Dostoiewski... como se apenas na literatura russa, entre os génios epileptóides, encontrássemos tal... tal-chamemos-lhe assim-bravata? Mas Milka tinha agido precisamente dessa maneira. Virou o quadro. Nas costas ela escrevera a lápis: "Forsan et haec olim meminisse iuvabit." Era essa a sua ideia acerca de tudo. Onde quer que fosse, costumava apor como seu selo e assinatura esta citação do primordial agente artístico de César Augusto. Talvez pareça indelicado referi-lo, mas até tinha um dia deixado a sua assinatura na caixa do autoclismo. O som da água gorgolejante a escorrer pelos canos de esgoto - também nisso ela tinha que colocar o selo da sua aprovação: o "Forsan et haec olim meminisse iuvabit." Uma grande rapariga, Milka!

Henry Miller, Moloch.
(Tradução de J. Teixeira de Aguiar.)

27.9.04

Post It #202

Quem nunca ouviu falar de Bob Phantom?

O Povo é Sereno #159



ALGUNS MALEFÍCIOS DA AUTONOMIA

Não fiquei surpreendido quando, há poucos dias, vi de novo ser levantada a bandeira da "descentralização" da colocação de professores. Houve logo quem viesse à televisão apresentar o exemplo de uma escola que, ao abrigo de um "contrato de autonomia", pode escolher os seus próprios professores. Vários "especialistas" apresentaram-se a defender este modelo de recrutamento, porque assim, dizem, "o corpo docente é contratado em função das garantias de integração no projecto educativo da escola" e não a partir de critérios "meramente burocráticos" (referiam-se à média final do curso e ao tempo de serviço, frutos do trabalho dos professores como estudantes e como docentes). Apareceram ainda outros a defender que deveriam ser as autarquias locais a contratar os professores para as escolas dos seus concelhos, mas adiante...
Poderia já escrever aqui a frase que um dia ouvi a um velhote transmontano: "Muito bom latim canta o meu Joaquim..." Mas não. Prefiro recordar outros exemplos de autonomia na contratação do pessoal.
Começo pelas autarquias. Geralmente o recrutamento é feito com base no perfil curricular, numa prova e numa entrevista. Mas, podendo os gestores do município dar à entrevista o peso que entenderem, os resultados são conhecidos. Costumam traduzir-se na contratação dos amigos, dos filhos dos amigos ou de rapazes que trazem consigo um cartão partidário - mesmo que sejam incompetentes.
Passo agora para o Ensino Superior. Não sendo necessários critérios explícitos para explicar a contratação ou o despedimento, há sempre a possibilidade de contratar uma antiga aluna e deixar de fora um candidato "desconhecido" com provas dadas. Do mesmo modo, há sempre maneira de justificar (nem que seja com mentiras) a saída de um professor com mestrado e muitas publicações, deixando no seu lugar uma licenciada com currículo invisível.
Se não fiquei surpreendido com a ideia de colocar nas escolas ou nas autarquias a capacidade de contratarem os professores, confesso que fiquei preocupado, partindo de situações em que a "autonomia" é já uma (triste) realidade. Recordei ainda as antigas "autopropostas". Um docente enviava para uma escola o seu currículo para preenchimento de um horário disponível. Em tantos casos, não fosse ele conhecido do Conselho Directivo ou de alguém ligado à direcção, os documentos eram arquivados - pois inevitavelmente era escolhida uma pessoa "de confiança", nem que para isso fosse preciso pôr uma educadora de infância a leccionar Educação Visual ou um licenciado em Francês a dar aulas de Físico-Química...


Ruy Ventura

Ilha dos Amores #86



Pormenor na Rua de Sampaio Bruno, Porto.
Fotografia de Francisco Costa.

Post do dia.

Por estes dias comemoram um ano de actividade dois blogues fundamentais: a Seta Despedida, da Alexandra Barreto, e o Pequenas Histórias, da Ana Cordeiro. A quem interessar saber como se faz um blogue a sério, basta visitar um dos dois.

24.9.04

Post Scriptum #365

Um poema de Daniel Maia-Pinto Rodrigues, por sugestão do nosso leitor Mesquita Alves. Do livro O Afastamento Está Ali Sentado.
Bom fim-de-semana.


Dou uma penúltima trinca
no verdadeiro bolo da Teixeira
do aconchegante lanche de domingo.

Já à luz da porta aberta
corrijo as folgas do vestido da mulher
afago, um pouco melancólico
os acobreados cabelos da cunhada
e vou-me embora
fazendo de conta que vou às putas
com o Tony Parolo.

Daniel Maia-Pinto Rodrigues

Post It #201

The Internet is changing the way we talk about literature.

Post Scriptum #364



Allen Ginsberg
(E.U.A., 1926-97)

KADISH
(excerto)

'Ontem vi Deus. Como era ele? Bem, à tarde subi um escadote - ele tem uma cabana baratucha no campo, como Monroe, Nova Iorque os aviários na floresta. Ele era um velho solitário, com barbas brancas.
'Fiz-lhe o jantar. Preparei-lhe um bom jantar - sopa de lentilhas, legumes, pão com manteiga - miltz - sentou-se à mesa a comer, estava triste.
'Eu disse-lhe, Olha para aquelas guerras e mortes lá em baixo, Que se passa? Porque não acabas com isso tudo?
'Eu tento, disse ele - Era tudo o que podia fazer, parecia cansado. É solteiro há tanto tempo, e gosta de sopa de lentilhas.'

Tradução de Paula Ramalho Almeida.

23.9.04

Mensagem da Gerência.

A gerência do Quartzo, Feldspato & Mica agradece aos seguintes blogues as simpáticas referências feitas a propósito do seu 1º aniversário:

A Ágora

A [Minha] Jornada

Bomba Inteligente

a caixota troglodita

O Cheiro a Torradas pela Manhã

Janela Indiscreta

Kafka Sumiu em Belo Horizonte?

Os Outros de Nós

Pequenas Histórias

Quase em Português

Retorta

Rua da Judiaria

Seta Despedida

Tempo Dual

Umblogsobrekleist

Welcome to Elsinore

Agrademos ainda as inúmeras mensagens de felicitações (45.987, para ser mais preciso) que recebemos ao longo dos últimos dias, em especial as de Margarida Vale de Gato, Cândida Monteiro, Mesquita Alves e Jorge Marmelo.

Finalmente, aproveitamos para lembrar que ontem, 22 de Setembro, A Outra Voz completou também um ano de existência.

Ainda a propósito do 1º aniversário do Quartzo, Feldspato & Mica, a Sandra Costa ofereceu-nos este poema, que agradecemos.


A pedra contra a matéria do silêncio
como a textura das sombras (ainda que
digam que não, que a pedra assemelha-se
mais a um remorso e que as sombras
cumprem a floração dos regressos)

A pedra contra a matéria do medo
como a solidão dos horizontes (ainda que
digam que não, que a verdade não se
assemelha a coisas longínquas)

A pedra contra a matéria do tempo
como o voo das aves

(ainda que digam que não)

Sandra Costa

O Silêncio É de Ouro #143



Depois do aniversário do Quartzo, Feldspato & Mica, muito bem assinalado ontem, convém não esquecer também o aniversário de John Coltrane, que se comemora hoje. Coltrane nasceu a 23 de Setembro de 1926, em Hamlet, na Carolina do Norte. É um excelente pretexto para ouvir os seus discos e visitar esta belíssima página que lhe é dedicada.

Raul Silva

O Povo é Sereno #158



MAIS VALE TARDE DO QUE NUNCA

Como tem sido largamente difundido pelos órgãos de comunicação, Portugal chegou a uma encruzilhada: têm-se multiplicado os abusos de poder protagonizados por diversos organismos do Estado, nomeadamente forças de segurança e sistema judicial. Mas não apenas estes: de igual modo, não-eleitos (e, o que é ainda mais grave, eleitos) tripudiam sobre as pessoas comuns - já exorbitando dos seus poderes, já furtando-se aos mais simples deveres de boa gestão dos comportamentos e de tudo o que enforma uma relação harmoniosa com a comunidade.
E usam um léxico desresponsabilizador, à guisa do que Orwell previra: assim, por exemplo, apelidam de "derrapagens" típicos actos de desleixo, esbanjamento e dissipação de verbas.
Em França, em Itália, na Inglaterra, mesmo na vizinha Espanha, nos Estados Unidos e no Canadá, etc., foram há largo tempo criadas associações que congregam juristas, publicistas, escritores, simples cidadãos sem distinção especial mas que, honradamente, entendem que têm uma palavra a dizer - e que se unem para ultrapassar o verdadeiro bloqueio que os Estados corrompidos pelos interesses espúrios ou simplesmente ilegítimos - porque manobrados por próceres sem dignidade ou irrespeitosos para com os cidadãos - tentam estabelecer.
Tal como foi por diversas vezes referido por jornalistas, autores e pensadores distintos, Portugal é uma "sociedade criminal", ou seja: uma sociedade onde os organismos judicial e de segurança estão não ao serviço do cidadão mas das classes que estruturam o Poder. Através de atitudes não preceituadas em lei, mas que mediante a corrupção ética esses sistemas utilizam - uma vez que confundem "autonomia" com "impunidade" e "independência" com "irresponsabilidade" devido à cobertura que lhes é dada por mandantes tão éticamente corrompidos como eles - exercem uma intolerável pressão sobre os direitos dos cidadãos, que são desprezados e prejudicados a seu bel-prazer.
Segundo nos chegou ao conhecimento, estará no nosso país em vias de formação uma associação desse tipo, que procurará levar às mais altas instâncias da Comunidade Europeia e mesmo da ONU - de que Portugal faz parte - os casos em que se exerça a nefasta acção dessa gente abusadora, determinada a destruir a Democracia que ainda existe, no sentido de poderem espoliar à-vontade os portugueses.
Estaremos atentos, como é óbvio. E a seu tempo, porque tal é importante para os membros das diversas comunidades, voltaremos a este tema candente.


Nicolau Saião

O Romance da Raposa #2



UMA MANCHA NO MEIO DA BELEZA

Actualmente, as festas populares vivem um período de crise. Localizadas em terras em vias de desertificação ou de transformação profunda, estão ameaçadas pelo desaparecimento ou pela descaracterização. Há modificações inevitáveis. Há no entanto intromissões que atacam a verdade cultural de algumas delas. Já não falo da instrumentalização feita pelo poder político e económico, pois sempre aconteceu. Vale porém a pena pensar na sua relação com a promoção turística.
Existem óptimos exemplos de interacção entre a indústria do turismo e as mais variadas dimensões da identidade cultural de um local e/ou de uma região. Há no entanto um crescente número de casos em que assistimos à deturpação-manipulação de festas e rituais ou à invenção de "tradições" (como por exemplo muitas das "feiras medievais").
A busca de visibilidade mediática conduz a exageros perigosos. Nenhum mal vem ao mundo se um acontecimento cultural for apresentado nos meios de comunicação social. É contudo reprovável a promoção da vacuidade (tantas vezes com o dinheiro dos contribuintes) só porque é mediática e pode trazer os holofotes atrás.
Por esta razão me revoltei ao ver ao lado dos representantes eleitos do povo, no palanque oficial das festas de Campo Maior (como já acontecera há uns tempos em Évora), uma figura que acode pelo nome "Lili Caneças", cuja ausência de méritos é conhecida. Ligar a riqueza de uma festa popular ao vácuo não será colocar no meio da beleza uma mancha, que tudo destruirá? Há nódoas que nenhum detergente consegue eliminar...


Ruy Ventura

Cimbalino Curto #110

Ao fim de três longos anos, notou-se ontem inesperadamente alguma actividade no Pelouro da Cultura da Câmara Municipal do Porto: Marcelo Mendes Pinto ergueu-se da cadeira, limpou discretamente o pó da secretária, ajeitou a gravata, guardou a esferográfica e, apesar do esforço, conseguiu fechar a porta do gabinete. Minutos depois, surgiu o novo vereador António Sousa Lemos. Dirigiu-se calmamente para a secretária, sentou-se, aliviou ligeiramente o nó da gravata e pousou a esferográfica na mesa. Mas tudo com muito cuidado, não fosse o diabo do reumático tecê-las.

Mensagem da Gerência.

Encerrado o programa de festas do 1º aniversário do Quartzo, Feldspato & Mica, queríamos agradecer a todas as personalidades que, com simpatia e enorme generosidade, enviaram a sua opinião sobre este blogue. Devemos também um agradecimento especial a todos os blogues que fizeram referência ao aniversário e aos leitores que fizeram o favor de passar por cá durante estes 365 dias. Ao longo do dia de hoje, voltaremos a este assunto.
Retomamos agora a emissão normal.

22.9.04

Gostava de poder escrever algumas palavras sobre o meu blogue preferido. Infelizmente, dói-me a mão. Em todo o caso, desejo-lhes as maiores felicidades.

Maria do Carmo Seabra, Ministra da Educação.

A leitura diária do QF&M tem sido extraordinariamente proveitosa. Costumo decorar posts inteiros para depois os dizer noutras circunstâncias. Por exemplo, ainda ontem no café desatei a falar sobre a arquitectura do Alhambra, a natureza da idolatria, a topografia da antiga Tebas e o comunismo no seio dos Incas. Enfim, senti-me um verdadeiro José Hermano Saraiva. E na última aula de Religião & Moral pus toda a gente de boca aberta ao tecer várias considerações acerca de Moisés Maimónides e dos seus tratados mais famosos: "Das Mordeduras de Animais Venenosos", "Da Asma", "Da História Natural" e "Das Hemorróidas". E o número das minhas relações amorosas também tem crescido graças aos poemas que tenho decorado. Assim, 'tá-se bem... Continuem, meus...

Nuno, estudante do 11º ano de escolaridade.

Lamento, mas o vosso blogue interessa-me muito pouco.

José Eduardo Moniz, Director de Programas da TVI.

...
...
Parabéns...
...


João Cabeleira, músico e membro dos Xutos & Pontapés.

Basta ler os meus livros para saber que tenho acompanhado com muita atenção este blogue. Trata-se de um grupo de trabalho fantástico. Os textos são fantásticos, as imagens são fantásticas e a Sophie é fantástica. Já para não falar no ambiente de balneário que, obviamente, deve ser fantástico. Parabéns.

José Mourinho, autor e treinador de futebol.

Gosto muito do QF&M. É o único blogue que se dedica aos problemas dos animais. Parabéns. E continuem assim.

Joca, cão doméstico.

Tal como as nações honram os seus mortos ilustres erigindo um monumento duradouro, de forma que os seus nomes possam ser perpetuados por todos os tempos, é hoje possível fazer o mesmo pelos nossos blogues, e está de acordo com o progresso dos tempos. O Quartzo, Feldspato & Mica foi o meu primeiro cliente na blogosfera (atenção ao pagamento, rapazes). Mas estou disponível para receber propostas de outros blogues. Telemóvel: 965 764 815.
Parabéns pelo 1º aniversário.


José Rodrigues, escultor.

Pouco a pouco os ratos de biblioteca vão dando lugar aos ratos de computador. E o Quartzo, Feldspato & Mica é um excelente exemplo de como esta mudança pode encerrar aspectos muito positivos. Já agora, um dia destes gostava muito de publicar no vosso blogue um textinho sobre linguística contrastiva. É possível? Parabéns.

Eduardo Prado Coelho, professor universitário.

QUARTZO, FELDSPATO & MICA.

UM ANO A PARTIR PEDRA




Albuquerque Mendes, "Sem título", acrílico, colagem sobre papel, sem data.

Pintura gentilmente oferecida pelo autor para assinalar o 1º aniversário do QF&M.

21.9.04

QUARTZO, FELDSPATO & MICA
1º ANIVERSÁRIO
PROGRAMA DE FESTAS
(AMANHÃ, 22 DE SETEMBRO)



9h12 - Abertura das festividades com missa solene, na Sé Catedral do Porto, pelo Senhor Padre Borga.

10h05 - Mensagem de Sua Excelência o Ministro das Fragatas e das Delícias do Mar, Dr. Portas.

11h43 - "Concerto para assobio e orquestra nº 7", de autor anónimo do séc. XXI, no Anfiteatro Principal da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, sob a direcção do Reitor da UP, Eng. Barbosa.

12h01 - Apresentação da antologia de histórias da carochinha, com a leitura de alguns excertos pelos convidados José António Saraiva (Expresso) e Luís Delgado (Grupo Lusomundo, Lusa, Diário de Notícias, SIC Notícias, Antena 1, etc.).

14h32 - Palestra de Sophie subordinada ao tema "A música de Charles Ives nos desfiles da Victoria Secrets" (com o alto patrocínio da dita marca). Entrada: 2 euros com direito a corpete.

15h54 - Recital de poesia e violão com Manuel Alegre (vozeirão) e Zezé Gomes (violão).

17h25 - Coffe-break.

20h34 - Jantar comemorativo, com a presença de vários convidados ilustres (dois ou mais).

21h47 - Grande leilão de palavras caras, no Palácio da Bolsa, oferecidas pelo Prof. Hernâni Gonçalves*. Os lucros reverterão a favor das obras do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal do Porto e Casa da Música.

23h55 - Monumental fogo-de-artifício em simultâneo na Ribeira do Porto e nas Docas de Alcântara, e discurso de encerramento do Presidente da Comissão Europeia, Dr. Barroso (em representação do Outro Presidente, Dr. Sampaio).

02h00 - Fim de noite no Casino da Póvoa com entrega de troféus aos patrocinadores do QF&M, espectáculo "Loucuras Brejeiras" (com encenação de Filipe La Féria e direcção musical de Júlio César a partir do original parisiense) e concerto de Ney Matogrosso.

Ao longo de todo o dia, serão publicados depoimentos de várias personalidades sobre o contributo do Quartzo, Feldspato & Mica para a renovação da cena cultural portuguesa.


* Presença ainda por confirmar.

Ilha dos Amores #85


"Ireland, 1974". Fotografia de Jill Freedman.

Mensagem da Gerência.


Fotografia de Raul Silva.

Amanhã, 22 de Setembro, o Quartzo, Feldspato & Mica completa um ano de emissões. E embora o momento não seja muito favorável, durante o dia de hoje anunciaremos o Programa de Festas que preparamos para os nossos estimados leitores.

Cimbalino Curto #109

O Café Ceuta, na rua com o mesmo nome, é uma insignificante jóia de massa no regaço do Porto. Homens e mulheres congregam-se ali como moscas varejeiras. Se fosse um estabelecimento parisiense, os empregados não se sentiriam tão orgulhosos dos seus aventais sujos; retirar-se-iam de vez em quando para se barbearem e tomarem banho. Mas se os empregados fossem mais imaculados, não seria o Café Ceuta. É por isso que os grandes literatos do Porto inalam o aroma do local em profundas golfadas e enterram a sua semente naquele fecundo estrume.

Henry Miller, Diários, Vol. IV, 1954-57.
A tradução é minha.

Post Scriptum #363



Breyten Breytenbach
(África do Sul, n. 1939)

O QUE CHAMAMOS VIDA...

o que chamamos vida
é uma pequena nevrose
delgada como
uma placa de gelo
rápido quebra-a
e não sentes estás morto

Tradução de Mário Cesariny.

20.9.04

Post It #200

Um dos blogues mais famosos do mundo acabou.

Post Scriptum #362



Tai Fu Ku
(China, c. 1198)

NUMA AZÁFAMA CONSTANTE

Os negócios não os deixam descansar
De noite fazem contas de dia galopam
A sua vida é uma azáfama constante
Desconhecem que sobre as suas casas o céu é azul

Tradução de Jorge Sousa Braga.

17.9.04

Ilha dos Amores #84



Moliceiro, Aveiro. Fotografia de Raul Silva.


Bom fim-de-semana.

Cimbalino Curto #107

Ainda a propósito do caso das pilas gregas desaparecidas da fachada do São João, permitam-me que seja ainda mais explícito:


Antes do desaparecimento.


Infelizmente, não dispomos de fotografias da tela na fachada anteriores ao desaparecimento. Mas posso assegurar-vos que a imagem estava exposta tal como pode ser vista no original: intocada e sem autocolantes vermelhos.


Depois do desaparecimento.


Fotografia gentilmente cedida pelo Ricardo Carvalho.


Já agora, a peça "Anfitrião ou Júpiter e Alcmena", de António José da Silva (O Judeu), estreia hoje, no Teatro São João, no Porto.

Umbigo #79



AS BIOGRAFIAS IMAGINÁRIAS

Todos nós temos picos na alma. Quer dizer: todos nós temos fantasias de que mais ou menos nos envergonhamos (ou orgulhamos, conforme os casos, e não me estou a referir àquilo em que, marotamente, estais a pensar). Reporto-me a coisas do quotidiano, coisas mansas e urbanas ligeiramente líricas: por exemplo, uma das nossas figuras públicas mais em voga de repente acordar de manhã e ter uma outra biografia. Digamos, ao acaso:

"Leandro Lambote, que se licenciou em Arosamento de Deques e depois iria exercer diversos cargos na administração pública e privada até ser depositado nas altas funções que neste momento desempenha, sempre foi um bom sacrista. Disciplinado e disciplinador, era no entanto um maravilhoso hipócrita, melífluo para com a alta hierarquia - que como se sabe também é fresca - e bajulando como ninguém. Este excelente exemplar de falso irmão, cujo reluzir dos óculos com que se enfeita nos diz bem da sua intrínseca sacanice vivaça-espertalhaça, sempre teve jeito para se insinuar. Foi uma bela escola de vida a que ele teve. Parece que mete o poviléu no coração e, no entanto, está-se a preparar para o levar com jeitinho ao depauperamento controlado. Finge que não vê o parzinho de jambas da sua secretária mas, todavia (aqui uma série grotesca de apitos). Quando esteve na tropa chamavam-lhe o "tubarão raquítico", porque não tinha cara para levar uma lambada. Aquele sorrisinho de padreca beirão deve colocar-nos em guarda contra as suas malfeitorias. É um espectacular sevandija, o malandrim - e parecendo que não parte um prato e todo ele é encanto, cuidado se entrardes com ele num aglomerado de gente: poderíeis ficar sem o relógio de corrente..."

Não me digais que haveis reconhecido o protótipo porque o esboço de biografia ao contrário é inventada de cabo a rabo. Como se diz nos romances americanos, "qualquer semelhança é pura coincidência".
Mas se uma ficção destas fosse possível, que belo susto o "biografado" apanharia!
Ai, deixem-me sonhar um pouco...


Nicolau Saião

Cimbalino Curto #106

Imagem que está na fachada do Teatro de São João, para promover a peça "Anfitrião ou Júpiter e Alcmena", de António José da Silva, tal como se apresentou durante várias semanas. Certas partes da imagem foram entretanto censuradas.


E, por fim, a normalidade regressou à Praça da Batalha. As duas orgulhosas pilas gregas que durante várias semanas viagramente se ergueram na fachada do Teatro São João foram-se embora. Bem me parecia que se tinham enganado na cidade. Qualquer pila que preze a sua dignidade não pode querer nada com o Porto. As pilas não gostam de túmulos. As pilas não gostam de sorumbáticos seminaristas a babarem-se esbugalhadamente em plena Praça da Batalha, a mais assexuada das praças. As pilas gregas - que já andam nisto há algum tempo - já não têm pachorra para os caras de cu. E muito menos para certas sensibilidades de merda. Acima de tudo, as pilas gregas não querem transformar-se em tristes caralhos de granito. Por isso, apresentaram a demissão ao Ricardo Pais. Saltaram da fachada do teatro, acenaram ao povo enfurecido, e foram-se embora. Consta, porém, que no caminho ainda enrabaram dois ou três ilustres cidadãos desta nossa pomposa "cidade da liberdade". Graças a Deus.

Post Scriptum #361



Werner Aspenström
(Suécia, 1918-1997)

A SARDINHA NO METROPOLITANO

Não quero lavar-me com esse sabonete!
Não quero usar essa pasta de dentes!
Não quero dormir naquela sofá-cama!
Não preciso desse papel higiénico!
Não estou interessado nessa apólice!
Não penso mudar de marca de cigarros!
Não me apetece ir ver aquele filme!
Recuso-me a sair em Skärholmen!

A sardinha quer que a lata
seja aberta em direcção ao mar.

Tradução de Vasco Graça Moura.

16.9.04

O Povo é Sereno #157



SUSPIROS DE ESPANHA

As reavaliações! Gosto muito delas. Vai um crítico de cinema, um bom crítico de cinema - e em Portugal são todos bons, talvez com excepção de um - e quatro ou cinco anos depois de ter arrasado uma película, mais ou menos formosa, diz como que assim: "Passado xis tempo, já é mais claro o enquadramento da fita ypsilone. Ora, procedendo a uma reavaliação..." e por ali fora, com o doce descaramento dos habitantes intelectuais deste país de fadas.
Disse fadas? Bom, está bem - mas queria dizer fados. Um lapso freudiano? Talvez... Mas o fulcro, o cerne, o miolinho da coisa é isto: um camelóide, um banana (e não se ponham com xius, deixem-me desabafar que bem mereço, caneco), um pelo menos míope zelota das películas, com uma latosa que roça a obscenidade mental vem anos depois (de raciocínio lento?) dizer precisamente o contrário do que dissera antes, do alto da sua suficiência ratona.
O que chamar a isto? Não lhe vou chamar nada, que gastei os epítetos todos ali em cima.
Mas nas letras também se dá...
Durante anos andaram certas boas-almas da espécie, discípulos mentais de outras araras, a fazer a folha ao Stefan Zweig - o nosso querido Stefan Zweig: que era o preferido das costureirinhas (benditas costureirinhas, que ademais de serdes giras sois espertas!), que estava bom para o lado do popularucho, que comia muita couve com feijão, que usava meias brancas tal como eu uso... Enfim, a panóplia clássica dos enfatuados.
Agora que o homem já leva uns anitos de morto com todos os matadouros, andam a reavaliá-lo... Um genial apepinador de conceitos muito respeitado nas arenas das letras dá mesmo a entender que ele é um mestre. "Escrita de mestre" diz o fulano em causa, depois de ter dado através do tempo loas e broas a estruturalistas de combinação à mostra e outras monstruosidades.
Ai meus manos, que belo cacete na lombeira...


Nicolau Saião

Post Scriptum #360



CRÓNICA(S) DO SÉCULO XX PORTUGUÊS

Acabei de ler a antologia "Crónica Jornalística - Século XX", organizada por Fernando Venâncio e editada pelo Círculo de Leitores. Imprescindível! Já antes devorara o volume dado a lume por Ernesto Rodrigues, com textos do século XIX. Mas este livro toca-nos de perto, sobretudo os textos nascidos depois de 1974 - que nos mostram o Portugal de esplendores e misérias em que todos vamos existindo.
Forte, cortante e luminoso, António José Saraiva (democrata até à raiz) desnuda uma revolução inepta e cobarde - e o país que dela nasceu. José Martins Garcia revela, com ironia, o fechamento e a violência da "democracia" existente em terras pequeninas. Nuno de Bragança fala-nos de um "povo" que, embora "sereno", não é politicamente "parvo". Miguel Esteves Cardoso descreve Portugal como uma "república dos ananases", onde a "burocracia convida os cidadãos a aldrabá-la, porque a alternativa à aldrabice é tão penosa, tão cara, tão morosa e tão chata". Cáustico e irónico, Manuel António Pina desvenda os eufemismos utilizados pelos políticos, quando pretendem enganar os eleitores e/ou camuflar a acção de quem se serve do Estado para alimentar interesses particulares. Fernando Dacosta dá-nos um murro no estômago, ao narrar o suicídio de um homem que "partiu para não ceder" à "ditadura de mercado", que lança no desemprego pessoas válidas e competentes.
Mas este livro, crónica do século XX que todos os portugueses deviam ler, não se limita a compilar textos sobre a realidade portuguesa nascida depois da Revolução do Cravos. Nele podemos encontrar pérolas valiosas escritas por muitos dos vultos mais importantes e/ou mais conhecidos da Cultura do século XX. Como refere Fernando Venâncio, as cem crónicas que aí podemos apreciar e saborear são "impagáveis", demonstrando "quanta agilidade mental, quanta inventiva, na feitura e na expressão, quanta finura e malícia, quanto domínio da persuasão e do divertimento, vão investidos num género tido, desde sempre, por marginal às artes sérias".
Folheando as páginas desta antologia vêm ainda nosso encontro trechos lapidares, que nos fazem ver mais claramente o Portugal de 2004. Com duas delas termino: "O Estado português dá a impressão de uma tenda de louça onde entrou uma manada de toiros bravos." (Aquilino Ribeiro, 1926); "As nossas dificuldades presentes (...) merecemo-las, moralmente. (...) Se formos capazes do sacrifício necessário para as superar, então poderemos considerar-nos desipotecados e dignos do nome de povo livre e de nação independente." (António José Saraiva, 1979).


Ruy Ventura

O Povo é Sereno #155

Prossegue hoje e durante os próximos dias/ semanas a maior campanha de promoção do ensino particular de que há memória em Portugal. Esta campanha tem destacado as qualidades e virtudes dos colégios privados, e conta com o alto patrocínio da Presidência da República e do Ministério da Educação. Mais desenvolvimentos aqui.

Post Scriptum #359



Erich Fried
(Áustria, 1921-1988)

NA CAPITAL

"Quem manda aqui?"
perguntei
Responderam:
"O povo, é claro"

Eu disse:
"É claro, o povo
mas quem
manda de facto?"

Tradução de M. F. Quintão Portela.

Post Scriptum #358

Erich Fried em português.
Poemas: Hölderlin a Sinclair e um segundo no Epicentro.

15.9.04

Umbigo #78


Ilustração de Darren Booth.

PERDI A LATA

Eu sonhava já de algum tempo a esta parte artilhar aqui, pelo menos, um texto inusitado: um texto perfeitamente sem pés nem cabeça - em estilo Boris Vian - que lançasse os meus habituais e dizem-me que fiéis catorze leitores em convulsões. De alguma admiração? Talvez... Mas de estranheza isso concertezinha, de gáudio um pouco ternurento, de olhar remansoso cá para o manguelas. De sorriso afável, assim como se me dessem pancadinhas amigas na carola. Vocês percebem.
Um texto galhardamente despropositado, sem sombra de lógica (com uma lógica muito própria). Neste género, por exemplo: "O jovial apaniguado, o alegre subordinado, para nos fazer o rente das coisas jurídico militares rapou do caderninho e exarou duas ou três peculiares ordens de marcha." Esquisito, não é? Mas de repente reparo que até nesta frase desconforme, se se estivar de má-fé se pode eventualmente topar uma feraz alusão ao dr. Portas, que está ministro das tropas, ou a qualquer actor do nosso lindo sistema judicial que após umas merecidas férias está de novo em acção. Coisas jurídico militares... Hum, hum! Talvez seja melhor outra articulação. Mais ou menos isto: "Eis o grão rombóide! No seu estilo transilvano seduzia os papos de anjo como se tivesse minhocas na decisão operacional." Frase esquizofrénica e, claro, levemente surreal. No entanto... No entanto talvez não dê resultado. Papos de anjo... transilvano sedutor... Logo alguém maldosamente tentaria incutir a ideia de que eu estava a aludir malandrecamente ao nosso premier, que não é decerto grão rombóide e muito menos tem minhocas nas decisões que perpetra.
Isto das palavras, das frases por extenso, quando se oficia num lugar suspeito - refiro-me cá ao blogue, assumidamente - e se têm algumas famas de esfrangalhador, ficam muito desoportunas, adquirem brilhos e contornos que nos põem de pé atrás. Ficam atrozmente desconfiáveis.
Para além disto, que já é inquietante, a verdade é que estou a perder o à-vontade natural que me exornava a personalidade. Ando um pouco deprimido. Não me tenho sentido muito bem por coisas e loisas safardanas - e isto não é uma espécie de indirecta para qualquer fazedor do nosso quotidiano financeiro, um desses competentes raspadores do erário que nos atrofiam as horas e a carteira.
Tenham lá paciência comigo. Mediante uns ansiolíticos tudo se irá recompondo. E, se a realidade social e política me ajudar, ainda erguerei por aqui alguns textinhos perfeitamente sem ponta por onde se lhes pegue. Ou seja, adequados a valer à época.
Esperem-lhe pela pancada...


Nicolau Saião


ADENDA: vale a pena complementar a leitura deste post com o comentário do Zé Povão, na caixa de comentários.

Umbigo #77

9h00.
Primeiro minuto de mais um longo dia a praticar a difícil arte de coçar a cabeça.

Umbigo #76

A noite está cheia de nuvens. É impossível escrever uma linha em noites como esta. Falta a pontuação no céu.

14.9.04

Post It #199

Memórias da casa de Eliot.

Ilha dos Amores #83



Ilustração de Lasse Aberg

Post Scriptum #357

RELAÇÃO DE PODER

que/ poderiam/ os poderosos/ se não pudessem contar/ com aqueles/ que não têm poder/ que poderiam/ os poderosos?// mais poderosos/ que os poderosos/ seriam/ seriam então/ os sem poder.

Kurt Marti, Poemas à Margem, Trad. Colectiva, apaginastantas, 1987.

Post It #198


Georges Perec

É por causa de sítios como este que eu gosto cada vez mais de blogues.

13.9.04

Post It #197



A new "uncensored" edition of Sylvia Plath's masterpiece, Ariel, will prove that she was not a doomed depressive but an upbeat, optimistic character whose suicide in 1963 came out of the blue, according to friends. (?)

Post It #196

Máxima do dia:

o homem é o melhor pretexto para acreditar em vida alienígena.

Post Scriptum #356



K. Satchidanandan
(Índia, n. 1946)


GAGUEJAR

Gaguejar não é uma deficiência.
É um modo de expressão.

Gaguejar é o silêncio que cai
entre a palavra e o seu significado,
tal como a deficiência é o
silêncio que cai entre
a palavra e a acção.

A gaguez veio antes ou depois
do verbo?
Será apenas um dialecto ou uma
linguagem? Estas questões
fazem os linguistas gaguejar.

Sempre que gaguejamos
oferecemos um sacrifício
ao Deus dos Significados.

Quando um povo inteiro gagueja
a gaguez torna-se a sua língua-mãe:
tal como acontece connosco agora.

Deus também deve ter gaguejado
quando criou o Homem.
É por isso que todas as palavras do homem
têm tantos significados diferentes.
É por isso que tudo quanto ele diz,
das orações às ordens,
resulta num gaguejo,
tal como a poesia.


Tradução inédita de Pedro Amaral, a partir da versão inglesa disponível aqui.


Mais sobre Satchidanandan. Biografia e bibliografia. Leituras de poemas pelo próprio. Entrevista. E um ensaio do autor sobre a poesia contemporânea da Índia.

Señor Tallon # 77

(...) A poesia/ - toda -/ é uma viagem ao desconhecido./ A poesia/ é como a lavra/ do rádio,/ um ano para cada grama./ Para extrair/ uma palavra,/ milhões de toneladas de palavra-prima. (...)

Maiakóvski, Conversa sobre poesia com o fiscal de rendas, 1926.

Umbigo #75

A noite passada, foi um nunca acabar de Macbeth.

Post Scriptum #355


Retrato de Maiakóvski, por Pavel Khozhatelev, 1914.

Taken in Kazan, February 20, 1914, during the first Futurist Tour across Russia, which encompassed 17 cities. The aim of the tour was to propagandize the Futurist movement.

Percorremos a Rússia. Noites de poesia. Conferências. Os governos de província ficavam alerta. Em Nicoláiev propuseram-nos que não nos referíssemos às autoridades, nem a Púchkin. Com frequência, éramos interrompidos pela polícia. Para mim esses anos foram de trabalho formal e domínio da palavra. Os editores não nos aceitavam. O nariz capitalista farejava em nós dinamitadores. Não me compravam uma linha sequer.
De volta a Moscovo, residi sobretudo nas avenidas.

Maiakóvski, em 1914.

11.9.04

Umbigo #86

Tive hoje (sexta-feira) o fogo a uns cinquenta metros da minha casa e a uns dez metros do meu terreno. Houve de resto muitos fogos simultâneos em vários distritos. E depois de algum pensar, cheguei a umas conclusões. Que são estas.

Estamos em Outubro. Chuviscou de manhã. Imensa gente por esses campos achou que era chegada a hora de queimar o ?lixo? dos seus campos. E desatou a fazer queimadas. Só que o vento soprou fortíssimo e as faúlhas propagaram­?se a grande velocidade. E, pronto, foi o desastre.

Ora, pergunto eu: mas que ?lixo? é esse que as pessoas querem queimar? Matéria orgânica que muito bem faria à terra se lhe fosse restituída. Porque não deixam o restolho apodrecer tranquilamente? Porque precisam de ?limpar? a terra, de a lavrar, de a deixar pronta para as sementeiras de Inverno ou de Primavera.

Pela minha parte, comecei a optar por passar uma grade sobe o restolho: a grade parte o restolho, que se deita sobre o solo, e alisa a terra. O restolho fica lá quietinho a apodrecer. Para o ano infiltrou-se no solo e, com o passar do tempo, fará húmus. Não é uma coisa que dê resultado logo (o resultado rápido que se consegue ?limpando? a terra e deitando-lhe em cima adubos químicos, resultado rápido mas estirilizante: a terra é tratada como um mero suporte das raízes e o alimento das plantas é dado pela química - estou a exagerar, claro).

Na minha modesta opinião, as queimadas que se podem ou devem fazer não são estas: são as queimadas destinadas a eliminar ?fatias? de matos, para criar espaços diversificados na paisagem rural, que interrompam a continuidade dos pastos das chamas. E devem fazer-se no Inverno.

Tudo isto não tem nada a ver, acho eu (mas quem sou eu para achar?), com os fogos do Verão e com a falta de prevenção. Devo, de resto, dizer, que, pela primeira vez que contactei directamente com os bombeiros, encontrei neles pessoas com uma calma extraordinária e uma atitude decidida e inteligente face aos fogos, apesar da falta de meios.

Em tempo: caros amigos, perdoem este fantasma vindo do nada. Deixei passar o aniversário do Quartzo, não contribuí para a festa, que foi linda, pá, por razões cá muito minhas que não quero tornar públicas. Mas que gosto deste blogue, gosto. E continuo a agradecer aos amigos que para aqui me convidaram. Feliz aniversário atrasado para nós, rapazes e Sophie.

10.9.04

Ilha dos Amores #82

Bom fim-de-semana.



Michael Martone

Señor Tallon # 76

Touro mouro dos meus dias./ Lenta carreta dos anos./ Deus? Adeus. Uma corrida./ Coração? Tambor rufando.

Maiakóvski, Nossa Marcha, 1917.

Cimbalino Curto #105

Post Scriptum #354



Kurt Marti
(Suiça, n. 1921)

O VINTÉM É QUE VALE

se o vintém
vale menos
há mais vinténs
mas
mais vinténs
valem menos
do que ontem
menos vinténs

se o vintém
vale mais
há menos vinténs
mas
menos vinténs
valem mais
do que ontem
mais vinténs

o vintém é que vale


Poemas à Margem, Trad. Colectiva, apaginastantas, 1987.

O Povo é Sereno #154



Ilustração de Marjane Satrapi.

9.9.04

Post Scriptum #353



Quantas biografias de Shakespeare se escreveram ao longo do tempo? Muitas. Muitas e agora mais esta. A crítica de Adam Gopnik sobre este novo "Will in the World", de Stephen Greenblatt, parece-me muito interessante. Começa assim:

Why do we read critical biographies of Shakespeare? The reasons that we shouldn't have been ably given by his best critics. "Reader, looke/ not on his Picture, but his Booke" was Ben Jonson's advice right there at the start, on the title page of the First Folio. (...) The advice not to look at the life continues to this day. Artists, Auden insisted, should be anonymous. (...) But Auden filled his criticism with confident assertions about Shakespeare's love life, and Jonson himself couldn't help but chat compulsively about the man: he couldn't write Latin or Greek, he was a social climber, he needed an editor. Whatever our official pieties, deep down we all believe in lives.

Ilha dos Amores #81



Bussaco III, por Raul Silva.

Post It #195

Nos últimos tempos, aqueles que estão irritados com o meu trabalho literário e jornalístico dizem, com muita frequência, que eu simplesmente esqueci como se escrevem versos, e que os pósteros vão dar-me uma coça por isto. Um comunista me disse: "Que importa a posteridade! Você vai responder perante ela, mas o meu caso é muito pior: tenho de responder perante o comité de bairro. E isso é bem mais difícil."

Maiakóvski, Março de 1930.

Bem-vindo ao Quartzo, Feldspato & Mica.

- ESTOMATOLOGIA SEM DORES -

Marcações e consultas 24 h/ dia.

Umbigo #73

A noite passada, estando dividido entre o apelo serifado de uma romana e a luminosa limpidez de uma helvética, optei por uma cursiva com alguns detalhes langorosos emprestados por uma fantasia. De qualquer maneira, o resultado não foi famoso.

8.9.04

Post Scriptum #352

Martín López-Vega
(Espanha - Astúrias, n. 1975)


LARANJA

Alguém a deixou sobre a mesa do jardim, a laranja.
Agora é um símbolo da tarde, essa fruta
brilhando por entre o confuso calor deste fim de dia
luminoso como uma recordação amorosa da adolescência,
como a primeira laranja,
como as mãos que cheiram a laranja.

(Rodearam-na logo as formigas, esvoaçaram
em seu torno mil insectos, bailará a noite
em seu redor.) Mas agora essa laranja na tarde
supõe uma ordem, um sentido, o centro gravitacional do dia.

(in Árbol desconocido, Visor, 2002).

Tradução de Ruy Ventura.

Post Scriptum #351



JOSÉ RÉGIO, COMO PROPOSTA E EXEMPLO.

Foi verdade, sim... Ou seja, sucedeu mesmo e não por motivo de mais nada senão do vento - o vento que sopra na Gardunha e que, por obra e graça de gente operosa e imaginativa, soprou um pouco até mais longe. Até aqui, ao Alentejo.
Refiro-me a eu ter ido dias atrás, com outros confrades, até Castelo Novo a perpetrar declamação de poemaria, baseado no facto de estar arrolado na Antologia sobre o Vento e terem tido a deferência de me requisitar... Na ocasião, li a "Toada de Portalegre". E, aos mais afoitos, aproveitei para oferecer o texto que aqui vos deixo, com o descaramento assumido de quem tem pelo autor vilacondense um certo amor, uma certa preferência interior.
E faz, creio eu, tanto sentido recordá-lo nestes tempos inóspitos!


Friedrich Holderlin, o grande poeta alemão cujo fado penoso o fez mergulhar nas brumas do espírito cerca de quarenta anos, disse num dos seus poemas "Quem pensou o mais fundo ama o mais vivo". Esta frase pode aplicar-se, com inteira propriedade, a Régio e à sua obra.
Com efeito, toda a escrita do autor de "Davam grandes passeios aos domingos" é uma intensa celebração da vida ainda que por intermédio, até, de ritmos que apontariam para a nostalgia das moradas celestes. Os grandes autores, os autores nobres na completa acepção da palavra, é sempre para a vida e os seus prestígios, maiores ou menores, que norteiam o seu verbo, os seus amores e desamores, a íntima razão iluminada que os venha a salvar e permita também aos que os leiam a travessia de tempos ou lugares onde a ignomínia permanece ou tenta permanecer.
Basta ler os seus poemas, mesmo aqueles onde brilha a tristeza ou a dúvida, a sua prosa crítica, os seus romances e novelas, o seu teatro, para entender isto: em Régio, nenhuma ponta de cinismo ou de futilidade, de inflexões espúrias filhas das modas de arrabalde ou de megalópole vêm empanar o fulgor tanto do seu pensamento como do seu lirismo. Aquilo que articulou, com maior ou menor trajecto, tem sempre o selo da autenticidade, mesmo autocrítica, da fruição vital, mesmo dolorida - essa chancela vigorosa e certeira que possibilita às obras e aos homens que resistam ao decair dos anos e à erosão das épocas.
O desespero, por vezes, visitava-o e eis que lhe respondia - com o pundonor de Poeta - com a "Toada de Portalegre". Era a dor de ter perdido alguém que o pungia - e eis as páginas vibrantes de drama e de força poética de "A velha casa", onde se sente perpassar o vulto, discreto mas significativo, como nas maiores dores, de uma filha rememorada. Perturba-o o acordo/desacordo entre ele e Deus, entre ele e o símbolo do Homem encarnado e terreno cuja origem é de matriz divina? Eis os poemas que dessa luta resultam, sejam os de "Filho do Homem" como os outros onde se debateu com a grande equação metafísica.
"Quem pensou o mais fundo ama o mais vivo"... Sem dúvida e o infausto Holderlin, filho das musas e das parcas viu longe e alto. E repare-se que José Régio, mesmo tentado pela corda dos desesperados, jamais cedeu - mesmo apenas conceptualmente - ao abandono da cena. Digno, perscrutador, atento, de escrita vigiada e sem os arroubos fáceis de gente menor, sorveu até ao fim, "no gosto de mais um dia" a existência salubre dos criadores verdadeiros.

Nicolau Saião

7.9.04

Repost

Filha de Babilónia, que vais ser assolada,
Ditoso quem te der a paga
Do mal que nos fizeste!
Ditoso quem tomar e esmagar,
Contra uma pedra, os teus filhos.

Salmo 137

O Povo é Sereno #153



Se ainda restassem dúvidas quanto ao carácter visionário da obra de Picasso, esta gravura de meados dos anos 50 acabaria por as dissipar. Picasso teve o prazer de não conhecer Bush, mas esta gravura erótica prova que pelo menos sonhou com ele. Steven Heller, estudioso da obra do mestre, sugere que se trata de um auto-retrato infeliz. Não me lixem. Esta é a verdade: Picasso previu tudo.

Ilha dos Amores #80



Sarcófago etrusco, 520 a.C.


The woman is positioned on the man's left side, couched close and parallel, both of them at their ease and gazing intently ahead at something which by all the rules of perspective should be visible in the man's outstretched right hand. But there is nothing to be seen there. Was it a bird that has flown? A flower that has been snapped away? A bird that is approaching? Nothing is shown, yet their gaze is full of realization.

Seamus Heaney

ADENDA: leia, pela sua saúde, o comentário de Zé Povão na caixa de comentários deste post.

Ilha dos Amores #79



Jacques-Louis David, La mort de Socrates, 1787.

The sturdily built philosopher is on his high bed, bare to the waist, finger in the air, sitting upright and expounding to his crowd of friends the doctrine of the immortality of the soul. The picture could well carry as an alternative title or caption the words "I permitted myself everything except complaints"--a remark made by Joseph Brodsky.

Seamus Heaney

ADENDA: leia, pela sua saúde, o comentário de Zé Povão na caixa de comentários deste post.

Ilha dos Amores #78



Bussaco II, por Raul Silva.

Post It #194




"How are you?" Robert asked. "Conscious," was the reply.

Heaney escreve sobre Milosz. Aqui.

Post Scriptum #350



José María Cumbreño
(Espanha-Cáceres, 1972)


HERCULANO

Coloquei sobre a mesa
algumas nozes e escudelas com vinho quente.
Renovei as flores
nas ânforas de barro.
Mandei acender todas as lucernas,
perfumar a câmara com aroma de incenso.
Sem demora,
pedi em voz baixa que não me incomodassem,
que ninguém me interrompesse até à alvorada.
Até que amanhecesse.

Quando os meus escravos vierem
despertar-me
e me encontrarem sentado
frente à janela.
Sentado e em silêncio.
Quando, por acaso, os meus olhos longe distinguirem
a luz de sal do novo dia,
de um dia que não irá alumiá-los,
enquanto perguntam
- meu senhor, a refeição -
quanto tardará o efeito do veneno.

(in "Las ciudades de la llanura", Editora Regional de Extremadura, 2000).

Tradução de Ruy Ventura.

Ruy Ventura tem consagrado muita da sua actividade enquanto tradutor aos novos autores espanhóis, tendo editado já uma extensa antologia pela Alma Azul.

6.9.04

Post Scriptum #349

No caminho de Ohrid

Recebemos de Vasco Graça Moura um poema na caixa de comentários relativa ao post Post Scriptum #345

Como sempre detestei poemas estropiados por uma apresentação deficiente, reproduzo-o aqui de novo; versa o mesmo tema do no post exposto. Preciso que o rei que, no meu, está como Simeão (nome que me foi transmitido num curso rápido sobre literatura grega da Universidade de Salónica) vem, no de Vasco da Graça Moura, como Samuel.

Creio que o nome dele é que está certo.


o caminho de ohrid

do alto das muralhas de ohrid onde
acorrera aos gritos desvairados dos vigias,
o rei samuel avistou o seu exército desfigurado,
arrastando-se entre as montanhas da macedónia.

aos catorze mil homens tinham sido
arrancados os olhos por ordem do imperador
e a um em cada cem mandara ele, basílio II,
fosse poupado um olho para conduzirem o regresso

dessa manada cega. depois de atravessarem altas neves
vinham-se agora despenhando para o lago,
tropeçando, agarrados uns aos outros,
a tortura espelhada nas contorções das faces,

o sangue a empapar-lhes os andrajos. e o rei,
tomado pela angústia, deu um grito de dor e morreu
no alto da muralha sobre a colina e os seus bosques e pomares
que o lago placidamente reflectia.

nesse instante compreendeu como era ambígua
a força cega do destino e em nenhum mosteiro
podia a iconostase explicar-lhe esse cruel mistério:
os santos, com feições dos retratos do fayoum,

entre as chamas trémulas emudeciam
nos seus frescos e as vozes dos jovens monges,
no seu canto austero e imperturbado,
elevavam uma grave primavera na penumbra.

vasco graça moura

O Silêncio é de Ouro #135



Larry Young, Woody Shaw, Joe Henderson e Elvin Jones nunca tinham tocado juntos. Juntaram-se pela primeira vez no dia 10 de Novembro de 1965, no célebre estúdio de Van Gelder, e gravaram, numa única sessão, um dos melhores discos da década de 60 e um dos grandes clássicos da Blue Note. Depois desse dia nunca mais voltariam a encontrar-se. Unity é talvez a grande obra-prima de Larry Young e o próprio músico sabia disso. Eis, nas suas palavras, a origem do título: "although everybody on the date is very much an individualist, they were all in the some frame of mood. It was evident from the start that everything was fitting together."

Raul Silva