30.4.04

O Silêncio é de Ouro #70

De Keith Jarrett já se disse muito e ainda falta dizer quase tudo. Menino prodígio, começou a tocar piano com três anos e deu o seu primeiro recital com sete. Na adolescência já tinha uma interessante carreira profissional. Também começou a editar muito cedo. A sua ampla obra discográfica foi editada maioritariamente pela ECM, etiqueta conhecida pela excelente qualidade das suas gravações e pela primorosa apresentação gráfica dos seus discos. Jarrett já gravou de tudo: jazz, sessões de improvisação, interpretações de peças clássicas (Bach e Mozart, por exemplo), a solo ou em grupo. E das suas interpretações destaca-se sempre a sua inimitável maneira de tocar piano, ainda mais evidente nos concertos ao vivo. Um bom exemplo disso é o “The Köln Concert”, gravado ao vivo em 1975, na Köln Opera House.

Raul Silva

Umbigo #26

Hoje, no café, uma amiga dizia-me que o cravo vermelho que comprara na tarde de 25 de Abril estava ainda surpreendentemente fresco. “Como se tivesse sido colhido hoje”, disse ela.

Antes que comecem a desconfiar das minhas boas intenções, deixem que lhes diga desde já que estou absolutamente inocente. E, agora, vamos ao assunto. Hoje, na livraria, parti a cara ao Eça de Queiroz. Ou melhor, usando de maior rigor, devo antes dizer que lhe parti a cabeça. Julgo que me faço entender. Quer dizer, o busto desfez-se num número incontável de pedaços. Bastou um minúsculo encosto involuntário e logo ali o diabo do Eça de barro desintegrou-se no chão. Por ser um cliente mais ou menos habitual, o livreiro dispôs-se a perdoar-me o mau jeito, em troca de um pequeno acto compensatório, por assim dizer. “Sei que tem um blogue”, disse ele. “Faça um link para esta casa e esquecemos o Eça.” Há, de facto, livreiros para tudo, até para pedirem coisas destas. Mas deixemos isso agora e passemos ao pagamento da dívida. Pronto. Ponto.

O Povo é Sereno # 90

Ontem, o Público noticiava que, de acordo com Ricardo Figueiredo, vereador do Urbanismo da Câmara do Porto, a construção da Alameda de Azevedo, que atravessará o futuro Parque Oriental, é “irreversível”. Esta obra tem sido fortemente contestada por vários grupos ambientalistas da cidade. Nada de novo, portanto. O que é absolutamente espantoso é a resposta do vereador aos críticos do projecto. Uma pérola de humildade democrática, para usar uma expressão corrente nos círculos políticos. Ouçam: “apresentámos-nos a eleições, fomos eleitos, e, por mais respeito que tenhamos pelos ambientalistas, nós é que temos que decidir. Se determinado tipo de pessoas querem ter uma participação mais activa que concorram e sejam eleitas.” Onde estaria o vereador Figueiredo no 25 de Abril?

29.4.04

Post It # 120

Abril é comoção.

"O Escritor Pedro Oom Morreu de Comoção – O irreverente e talentoso poeta surrealista Pedro Oom, figura muito assídua do café Gelo ao tempo em que ali se reunia o grupo em que pontificavam Mário Cesariny de Vasconcelos, Luís Pacheco e outras personalidades daquela corrente estética, morreu ontem de comoção provocada pela queda do fascismo em Portugal.
O insólito autor de tão belos poemas fantásticos e escatológicos como os que publicou em «Grifo» e em «Pirâmide» não resistiu à alegria da vitória. (…)"

Pode ler-se no Diário de Lisboa de 28/04/74 e no Almocreve.

O Povo é Sereno #89

Mais um contributo de Ruy Ventura, a propósito dos incontáveis pecados cometidos no restauro de arte sacra em Portugal.

Ao longo dos anos o restauro de obras de arte sacra tem estado entregue ao mais flagrante amadorismo (para mais não dizer). Exceptuando os monumentos intervencionados pelos organismos estatais (intervenção que, normalmente, só se realiza em edifícios classificados – em poucos, infelizmente), a maioria das peças tem sido entregue a gente oportunista ou simplesmente ignorante, devido a alguma miopia das autoridades eclesiásticas.
Claro está: há boas e más práticas. Dependentes do bom senso e do pulso dos bispos, traduzidos na capacidade de organizar bons departamentos de Arte Sacra e na firmeza perante a inconsciência dos párocos, das comissões fabriqueiras e das confrarias que pululam por esse país fora.
O melhor exemplo é o da diocese de Beja e do seu Departamento Histórico-Artístico, inteligentemente liderado por José António Falcão. Nela têm sido promovidos um inventário rigorosíssimo, restauros criteriosos e uma correcta divulgação das peças por esse país fora e por essa Europa adentro.
Maus exemplos há infelizmente muitos. Conheço vários e alguns gritantes. Apresento apenas um que conheço de perto: o da diocese de Portalegre, onde o responsável pela Arte Sacra aconselha os párocos a entregarem as peças a restaurar a santeiros bracarenses que, normalmente, as destroem irremediavelmente, pois nem sequer suspeitam o que é um restauro respeitador da verdade histórica do património.
Soluções? Uma possível é desatarmos a entupir o IPPAR com pedidos de classificação das peças que achemos significativas. Ou então tentar sensibilizar as autoridades eclesiásticas – na medida do possível… –, lutando contra a ignorância das populações que, habitualmente, acham “muito bonitas” as esculturas depois da “lavagem” efectuada pelas oficinas de Fátima e de Braga, alertando-as de que há instituições (como a Gulbenkian) que concedem subsídios para o restauro, desde que o mesmo seja feito por técnicos credenciados.


Ruy Ventura

Post Scriptum # 214

Walter de la Mare
(Reino Unido, 1873-1956)



NAPOLEÃO

“O que é o mundo, ó soldados?
Sou eu:
Eu, esta neve incessante,
Este céu do norte;

Soldados, esta solidão
Que atravessamos
Sou eu.”

Tradução de Cecília Rego Pinheiro

Vai no Batalha # 18

A mais bela frase do dia foi dita ontem pelo futebolista Fernando Couto. Diz ele, com toda a autoridade de um seleccionado, a propósito de mais uma empate-derrota da equipa portuguesa de futebol: “temos de olhar bem nos olhos uns dos outros e ver o que queremos.”
A frase foi-nos soprada pelo leitor Ricardo Ferreira.

28.4.04

Post Scriptum # 213

Edwin Arlington Robinson
(E.U.A., 1869-1935)



RICHARD CORY

Quando Richard Cory ia à cidade,
As pessoas na calçada se voltavam para ele;
Era, da cabeça aos pés, um cavalheiro,
Os traços nítidos, senhorialmente esbelto.

Sabia vestir-se, mas sem afectação,
Quando falava era sempre muito humano;
Todavia, o coração acelerava-se ao ouvi-lo dizer: “Bom dia!”
E ao andar dir-se-ia que tinha uma auréola.

Era rico, sim, mais rico do que um rei
E admiravelmente destro em todas as artes;
Nós, enfim, não nos cansávamos de supor
Que estar no seu lugar seria mais do que um sonho.

E assim trabalhávamos, aspirando à luz,
A maldizer o pão, vivendo quase à míngua:
E, numa calma noite de estio, Richard Cory
Foi para casa e estourou os miolos.

Tradução de Breno Silveira

O Povo é Sereno # 87

De acordo com uma notícia publicada no jornal “O Comércio do Porto” de ontem (não tem sítio na internet), a investigadora de arte sacra Fátima Eusébio terá defendido, num colóquio público, a implementação de acções urgentes para evitar os frequentes “pseudo-restauros” de obras de arte que ocorrem nas igrejas portuguesas. Recorde-se que 70% a 80% do património artístico nacional pertence à Igreja. Mas, segundo Fátima Eusébio, “são muitas as obras onde a intervenção de restauro se tem revelado ruinosa, pautada por critérios não científicos, mas economicistas e sujeita ao gosto, muitas vezes duvidoso, do sacerdote e da população”.
Quem fala assim não é gago. Mais: Fátima Eusébio é docente da Universidade Católica Portuguesa.

27.4.04

Umbigo #25

Hoje, durante o almoço de trabalho da gerência, tentei demonstrar ao Rui Lage que o Eliot era T.S.
Perante as evidências, o Rui viu-se forçado a concordar comigo.

O Povo é Sereno # 86

OBSESSÃO, UM FADINHO DE NICOLAU SAIÃO.

Ontem, depois de estar na net a escrever/ a pessoas de que gosto/ fui-me deitar. Pensava
poder ler/ um pouco com prazer./ Mas só me lembrava/ só me lembrava/ do Audi de 23 mil contos do Santana Lopes.
Hoje levantei-me/ lavei-me/etc. e tal/ E na cabeça só me batia/ e eu não queria/por meu mal/o Audi de 23 mil contos do Santana Lopes.
Bem sei/ que há coisas mais importantes/ mais belas / que só de vê-las/ ou de pensá-las/ um tipo fica assim a modos que patriota:/ o Euro 2004/os trinta contos que o ministro Portas vai dar/ por ano aos combatentes/ do Ultramar./ Mas eu/ só sou capaz de pensar/ no Audi de 23 mil contos do Santana Lopes.
Emagreci 4 quilos/ o que me fez alegrar/pois os petiscos são/ uma coisa lixada/ e vai daí hoje de tarde/ vi no espelho/ da literatura/ uma elegante silhueta/ que me pareceu familiar. E todavia/ só sou capaz de me lembrar/ do Audi de 23 mil contos do Santana Lopes.
Cheira a limão/ no meu quintal./ E a minha irmã/ que é generosa/ quis-me ofertar/ e ofertou mesmo, c’um caraças/ não estou a brincar/ um carro/ um automóvel/ para me alegrar. E ainda por cima/ um rádio multibandas para eu ouvir/ os discursos do Papa./ Juro que é verdade/ ela tem senso de humor/ na verdade realmente./ Mas eu só sou capaz de pensar/ no Audi de 23 mil contos do Santana Lopes.
Já pensei/ para me safar/ vou-me morigerar/ ser bom menino/ comer a sopa todinha/ e nunca mais dizer mal/ até fartar/ do sistema governamental/ que nos anda a fazer a folha/ singular. Mas só me bate na mona/ na cachimónia/ na cabeçorra/ e já agora no plexo solar/ adivinhem lá, adivinhem lá/ - o Audi de 23 mil contos do Santana Lopes.

Nicolau Saião

Post Scriptum # 212

Nesse mesmo momento em que o salteador meditava no seu casamento, não muito longe dali uma mulher disparava, fora de si , sobre o marido porque ele andava com outra e por isso a abandonara, a ela e aos filhos, e também um outro homem, por não se sentir bem consigo e com o mundo, disparava sobre um alfaiate, e com tal pontaria que o alfaiate era atingido em cheio no coração. Foi depois preciso fazer um peditório para angariar algum dinheiro para a família enlutada. E havia ainda esse outro que, por seu turno, matara a sua bem-amada apenas por ciúme, bem-amada que, aos poucos, se tornara para ele a mal-amada. Ai, tudo isto é muito estranho! E havia também uma esposa insatisfeita que entoava uma elegia sobre a fidelidade do marido enquanto escrevia uma história em que o seu próprio esposo se enforcava, triste história que depois editou. Quando a história foi publicada, deu-a a ler ao pobre do marido, o qual, porém, era tão fiel e tão amável que nem lhe ocorreu zangar-se com ela. Deu-lhe, sim, de pura bondade, um miserável beijo. Que raio de gente mais pacífica há neste mundo!

Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida

FUMAR MATA

Um minúsculo paraíso apaga-se
sempre que se extingue um cigarro.

26.4.04

Post Scriptum # 210

Para abrir a manhã, um poema de Margarida Vale de Gato, ainda inédito, dedicado a Christina Rossetti. O poema é inspirado no quadro “Ecce Ancilla Domini” (1849-50), de Dante Gabriel Rossetti, no qual Christina posou como modelo da virgem.


CHRISTINA ROSSETTI

meigos grandes nada cépticos secos
os olhos de corça esgarçada à roda
lança

longos louros soltos em vagas
breves nunca crispadas cabelos
esparge

Christina mansa mente amante
pré-rafaelita ao leito recolhe se cobre
semelha

receio tolhe branca túnica
tersa forma de seios ao canto
paira

aflora sobre auréola a sombra
de Gabriel o irmão. também faz versos
concita

com-paixão.

Post It # 119

Há mais Odysséas Elytis no Seta Despedida. Louvada seja.

O Povo é Sereno # 85

NOVAS CENSURAS

Nas comemorações do 30º. aniversário do 25 de Abril de 1974 tem sido tema corrente o relato de alguns métodos utilizados pela censura exercida durante os quarenta e oito anos de ditadura. Poucos têm falado, no entanto, sobre as novas censuras que, de forma discreta e quase sempre hipócrita, se vão exercendo hoje em dia por esse país fora – nomeadamente em alguma comunicação social sem escrúpulos, geralmente ao serviço de interesses obscuros ou nas mãos de notáveis sacripantas, movidos pelo desejo de instalação do deserto à sua volta (para que a sua mediocridade surja como simulacro de qualidade) ou por ódios, geralmente nascidos da inveja.
Para a concretização desta censura são geralmente invocadas leituras distorcidas da Lei – como por exemplo os “critérios jornalísticos”, a “liberdade do director” ou a “ausência de obrigatoriedade de publicação de textos não solicitados” –, permitidas pela própria legislação, (propositadamente?) ambígua, e por alguns membros da autoridade reguladora, venais ou apenas míopes. E assim se vai decretando, ou tentando decretar, a morte cívica de muitos cidadãos conscientes, impedidos por diversos meios de expressarem as suas opiniões fundamentadas.
Posso contar-vos dois exemplos, de que tive conhecimento directo:
Um jornal relatou nas suas páginas uma sessão artística em que haviam participado dois poetas, uma declamadora e uma pianista. Ao jornalista presente ao longo da sessão haviam sido fornecidos todos os elementos sobre o acontecimento e sobre a totalidade dos intervenientes. A notícia saiu no entanto profundamente deturpada, sendo notório na reportagem o “desaparecimento” dos dois escritores, certamente na sequência da campanha de difamação de que estava a ser alvo um deles nesse mesmo jornal. Apresentada queixa à Alta Autoridade para a Comunicação Social, não foi concedido aos poetas eliminados na notícia o direito de reporem a verdade dos factos, a pretexto de que “não haviam sido referidos na notícia” e de que o director do jornal era livre de pôr em prática os critérios que muito bem entendesse (sic!). De nada valeram os protestos dos queixosos – provando, entre outras coisas, que a informação veiculada pelo jornal havia sido deliberadamente deturpada. Tudo ficou, como é costume, em águas de bacalhau…
Noutro periódico a equipa directiva recém-empossada teve como primeira medida eliminar da ficha técnica do jornal a lista de colaboradores, alguns com mais de trinta anos de colaboração. Ao mesmo tempo, passou a publicar em caixa bem visível o aviso: “Não nos responsabilizamos pela publicação de colaboração não solicitada”. Foi meio caminho andado para a censura. A partir desse momento as opiniões de um grupo de personalidades passaram a ser eliminadas e, logo, nunca reproduzidas – personalidades essas que, até esse momento, eram colaboradores expressos do jornal, não tendo recebido qualquer comunicação emanada da nova equipa directiva dispensando a sua participação, aliás gratuita.
Deste modo e de outros modos se vai fazendo a actual censura. Discreta, subreptícia, com um lápis sem cor, mas igualmente manipuladora da verdade e dos mais elementares direitos de cidadania, consignados na Constituição da República.
De olhos fechados, Portugal avança. Ou porque não vê. Ou porque não deseja ver. Às vítimas restam a angústia e uma mal calada revolta. Sentimentos a que se mistura a consciência de que este país vai sendo minado por um “fascismo social”, expressão atribuída por alguns sociólogos à vivência cívica hoje existente neste rectângulo ibérico, onde a democracia vai sofrendo uma perigosa erosão, transformando-a a pouco e pouco numa mera formalidade.


Ruy Ventura

25.4.04

O Povo é Sereno # 84

CASO DO DIA
Rua de Brito Capelo, Matosinhos

Despistou-se contra árvore e acusou taxa de 30% de cravos vermelhos no sangue.

Um engenheiro, de 41 anos, residente em Matosinhos, foi detido ontem de manhã, cerca das 8h30, por ter acusado uma taxa de cravos vermelhos no sangue na ordem dos 30%, no momento em que conduzia um automóvel na Rua de Brito Capelo. De acordo com a PSP, o automóvel embateu violentamente contra uma árvore e um pequeno canteiro, depois de um aparatoso despiste que foi testemunhado por inúmeras pessoas. A lei determina que todo o condutor que acuse uma taxa de cravos vermelhos no sangue igual ou superior a 12% seja prontamente detido.

23.4.04

Post It # 118

Eu assumo: estou incondicionalmente ao lado dos americanos.

Vai no Batalha # 16

De acordo com um estudo dirigido por um tal James Kaufman, da Universidade Estatal da Califórnia, a esperança média de vida dos poetas não vai além dos 62 anos, "enquanto os dramaturgos vivem geralmente até aos 63, os novelistas até aos 66 e os escritores de não ficção até aos 68". E, segundo o mesmo investigador, as poetisas são as que revelam maior probabilidade de virem a sofrer de doenças mentais.
Mas, que diabo, será que o americano pensa mesmo que descobriu a pólvora? É óbvio que alguém que ainda insista em escrever poemas só pode ser maluco.

Post Scriptum #208


Uma vez, nesse outro restaurante, ele comera frango e bebera Dôle a acompanhar. Estamos a contar isto porque, de momento, não nos vem à mente nada mais significativo. Uma pena prefere sempre escrever algo de inadmissível a parar de escrever, nem que seja por um momento. Talvez seja isto um do segredos da escrita de grande qualidade, isto é, em tudo o que se escreve tem de haver algo de impulsivo.

Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida.

E, claro, o Walser continua na Janela.

Post It # 117

"Tubarão." Uma excelente história, no Don Vivo.

Post Scriptum #207

O Sorriso da Gioconda

Andam os espíritos azedados a dar p’ra baixo no Dan Brown. Quem? O Dan Brown, aquele moço americano, o de “O Código Da Vinci”. Tal como tinham, antes, andando a dar p’ra baixo no Nicholas Wilcox, o autor de “A lápide templária”, que tal como o outro vos incito vivamente a esquadrinhar. Para passarem uns dias de encantamento.
E os espíritos que lhe andam a dar p’ra baixo são os duma associação que muito respeito – não vá o diabo tecê-las... – que dá pelo doce nome de Opus Dei. Vocês sabem, aquela coisinha do nosso santo Escrivá.
Mas eu conto...
O Dan Brown, com engenho e arte, escreveu um rimance que já vai quase nos dois milhões de cópias e que eu, não por acaso, merquei em Espanha. Na Páscoa, quando deitei até Sevilha e Belmonte de la Mancha, onde ainda se sentem pairar os estrépitos do nosso Cervantes e do nosso D. Quixote.
Vai daí, na volta por Badajoz, lá no sector de livraria do “Corte Inglês” onde o prestável senhor Domingos Perera me guarda as iguarias que vão aparecendo, um dos meus filhos ofereceu-me, com prestável amor filial, o livrão que degustei como devia.
E há bocado, numa revista lusitana, dei por mim a ler um enfoque sobre o mesmo – enfoque realista e onde os prantos da Opus se relanceiam com galhardia: que o rimance mete muito secretismo, que há por lá maçons que não comem criancinhas, que até se fala na sociedade secreta a que pertenceram, entre outros, Sandro Boticelli, Newton, Vítor Hugo...
E, no fim, diz-se esta coisa admirável pela caneta de um porta voz da prestimosa organização – que de acordo com os do “Grupo Milénio” não passa de um instrumento para a subida ao poder de uns quantos senhores metidos a santarrões - e que vou transcrever para gáudio de todos os que me lêem a prosa: “Demasiada invenção, demasiada maldade, demasiada perversão, ao ponto de tudo não ser, sequer, verosímil. Mas os leitores mais ingénuos podem ficar com a ideia de que a Igreja Católica e, em particular, o Vaticano e a Opus Dei, é uma instituição pouco fiável ”.
Os sublinhados são meus – e deixa cá ver se por causa deles não vou parar ao Inferno...


Nicolau Saião

Post It # 116


Mais informações aqui.

22.4.04

O Silêncio é de Ouro # 68

Já aqui tínhamos falado do Village Vanguard, um dos mais importantes clubes de jazz do mundo. Na altura, dissemos que este clube se tinha tornado famoso, entre muitos outros motivos, pelos numerosos discos que aí foram gravados ao vivo ao longo do século XX. E é justamente uma dessas gravações que hoje gostaria de destacar. Trata-se de “A Night At The Village Vanguard”, do saxofonista Sonny Rollins.
Gravado em 1957, este disco está carregado de momentos memoráveis, sobretudo por causa da sua famosa técnica de improvisação, desenvolvida a partir de variações sobre o tema principal e não sobre a base harmónica, como é mais comum no jazz. É um dos pontos altos da longa carreira de Rollins. Actualmente, existe no mercado uma reedição com material inédito.


Raul Silva

Post It # 115

Rubrica “um blogue ao serviço do público”.

Num post recente, o Alexandre Andrade lembra, com toda a pertinência, que "a Exponáutica, primeira feira náutica do Alentejo, vai decorrer entre os dias 13 e 16 de Maio, no Parque de Feiras e Exposições de Reguengos de Monsaraz.
Todos aqueles que se interessam por temáticas como a vela, a canoagem ou o windsurf poderão, pois, ter interesse em deslocar-se a esta localidade nas datas indicadas, e desfrutar de tudo o que esta feira terá para oferecer".

A não perder, acrescentamos nós, é também a iniciativa “Maresias”, da responsabilidade da Câmara Municipal de Matosinhos, que inclui várias actividades, entre as quais a sessão "Matosinhos, Siza e a sardinha", que decorrerá no dia 3 de Julho, a partir das 10h45, e que consiste numa interessantíssima “visita guiada por diversos espaços que evocam a vida e a obra da sardinha, bem como a sua relação com o mais internacional dos arquitectos portugueses”.

Post Scriptum # 205


Nas águas azuis do lago de Biel ergue-se a ilha de S. Pedro, de todos conhecida, local de beleza idílica que tem fama como estância de férias. Estou a referir isto de forma assaz prosaica, mas nesta descrição sóbria da natureza pode haver, talvez, um toque de poesia. Às pessoas saudáveis faço o seguinte apelo: não teimem em ler apenas esses livros saudáveis, travem um conhecimento mais estreito, também, com a literatura dita doentia, que vos transmitirá, decerto, uma cultura edificante. As pessoas saudáveis deveriam sempre expor-se um pouco ao perigo. Senão, com mil raios, para que serve ser saudável?

Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida

Hoje, há mais Walser na Janela.

O Povo é Sereno # 81

Mais uma vez se comemora Abril, mas sob auspícios absolutamente inquietantes tanto a nível civil, quotidiano e sem ouropéis, como a nível das chamadas forças vivas e que se traduzem, na estrutura da Nação, pelos perfis das mais altas encarnações do Estado. Assim, por exemplo, o poder judicial está hoje completamente desqualificado, é uma instância eticamente desprestigiada onde se exercem, de acordo com relatos dos media, ignominiosas parcialidades e um desleixo inqualificável, mau grado o esforço de próceres seus – onde se contam magistrados dignos e juristas operosos, não esquecendo os trabalhadores que o quantificam a nível do labor prático – cuja acção não é contudo de molde a inflectir ou erradicar decisivamente a maleita.
Nesta perspectiva, tal como já tive ensejo de o fazer anteriormente, digo que é preciso, é imprescindível que o povo, por sua acção in loco ou mediante os seus representantes directos, desmantele e revivifique este sector, que é hoje por hoje o cancro que está a destruir a Democracia que o 25 de Abril instaurou.
Depois, no campo da política prática, é necessário acentuar que existem não eleitos cujo poder se sobrepõe aos que o povo escolheu: argentários poderosos que tripudiam sobre o corpo do País; gente colocada em lugares chave que exorbita e abusa do poder indefinido que lhe foi conferido; membros de forças de segurança que tratam o cidadão com uma inqualificável arrogância, servindo-se do estatuto próprio para estabelecerem confusos tratos onde avulta o desprezo pelos direitos do homem comum.
No sector da governação, há autarcas que deitam às urtigas os mais simples deveres e obrigações que conformam uma inter-relação democrática com os alvos da sua acção, ou ministros que deliberadamente faltam à verdade civil através de actos de extracção canhestra, traço a grosso de uma comodidade que não condiz com a democracia. Ou se anulam – para se elevarem ardilosamente.
As Forças Armadas, que devem ser o garante da independência nacional, vêem-se por seu turno sustidas em limites estreitos, como se fossem algo que há que nivelar por baixo e colocar sob a tutela de virtuais comissários.
Não há portanto muitas razões para, nesta data que ajudámos a existir, nos felicitarmos pelo estado da Nação. Que no entanto está ligada, por convénios livremente assinados e garantidos amplamente, às demais nações que com ela estruturam um bloco e uma rota.
Abril adormecido…
Mais lhe chamaria Abril que, ferido por desvigamentos intoleráveis, há que vivificar e recolocar sob a égide da dignidade - da verdadeira dignidade e da esperança.
Pois a tudo isso temos direito. Porque é isso que de facto poderá configurar o nosso rosto inteiro e lídimo de portugueses.


Nicolau Saião

21.4.04

Post Scriptum # 204

Durante a Primeira Guerra Mundial, Eugenio Montale exerceu o comando de um pequeno posto avançado na região de Trentino, próximo do rio Leno. Aí ocorreu um dos episódios mais interessantes da sua vida, mas que normalmente é ignorado pelos seus biógrafos. Durante esse período, Montale foi, por várias vezes, preso e levado a tribunal militar por insistir em fazer a continência a uma grande magnólia que existia na frente do seu gabinete. E, de acordo com Radici, Montale terá sido definitivamente afastado do exército por ter feito a continência a um caracol por ocasião de uma visita oficial do chefe de estado italiano ao seu quartel.

Portugal. Gostava de te beijar muito apaixonadamente na boca.
Jorge de Sousa Braga.

Umbigo # 23

Em poucos meses, a angústia da folha em branco deu lugar à maldita angústia do ecrã em branco.

20.4.04

O Povo é Sereno # 79

Parece que prenderam o Major por suspeitas de falsificação da verdade desportiva. Ele e outras personalidades ligadas ao mundo do futebol. Não me surpreende - como não deve surpreender ninguém neste país (mesmo aqueles que viram as costas às lutas-de-galos que normalmente emolduram esse desporto a que um dia, portuguesmente, quiseram chamar "pedibola"). O futebol "profissional" é, em grande parte, o espelho do país: um ambiente duvidoso onde o compadrio, o tráfico de influências e a corrupção fazem parte do dia a dia, com exemplos chocantes vindos de cima.
Como uma mancha de óleo, a corrupção vem alastrando neste rectângulo
onde o lema vem sendo "cada um desenrasca-se como pode". Situação
com raízes fundas, estimulada durante o consulado cavaquista (hoje prolongado pelos aprendizes-de-cavaco), este estado de coisas vai minando a consciência nacional, expulsando uma ética de exigência e de responsabilidade para instalar o chico-espertismo e certas práticas afins.
Felizmente os portugueses vão deixando de ser parvos. Mesmo se alguns continuam a pensar que foi "pena terem sido apanhados", porque, se estivessem no lugar deles, "fariam o mesmo" (a pequena vigarice costuma ser norma em países em que o Estado desrespeita os cidadãos), muitos de nós esboçamos um meio-sorriso, no qual misturamos a esperança de ver a Justiça concretizada e o receio de que venha a ser falseada por gente sem escrúpulos nem dignidade.

Ruy Ventura

Post It # 114

Mesmo se deixasse de ser alemão, não me livrava dessa vergonha. Essa vergonha que é minha enquanto alemão, é também a vergonha de todos os Homens, de todos mesmo.
Não somos só eu e os meus compatriotas que têm de aprender com ela.


Quem ganhou a guerra? E quem a perdeu? Vale a pena ler este post do Lutz.

Ilha dos Amores #44


Two empty chairs on the sidewalk seemed like a great image to underline waiting. Letter t got tired of waiting and went away.

Cartaz de Slavimir Stojanovic.

Post Scriptum #202

Para abrir a manhã, o poema “Ars Poetica” de Archibald Macleish (E.U.A., 1892-1982).
Uma oferta de Amélia Pais.


ARS POETICA

Um poema deve ser palpável e mudo
como o fruto em globo.

Calado
como antigos medalhões nos dedos

Silente como a pedra gasta por mangas
em umbrais onde o musgo cresceu –

Um poema deve ser sem palavras
como o voo das aves

Um poema deve ser imóvel no tempo
como a lua sobe

Largando, como a lua solta
ramo a ramo as árvores presas na noite,

Largando, como a luz atrás do inverno larga
memória a memória, o espírito –

Um poema deve ser imóvel no tempo
como a lua sobe

Um poema deve ser igual a –
não «verdadeiro»

Porque toda a história da dor
uma porta vazia e uma folha de plátano

Porque o amor
as ervas que se curvam e duas luzes acima do mar

Um poema não deve significar
mas ser.


Tradução de Jorge de Sena.

Ilha dos Amores #43

Para já, houve, em redor do salteador, bastantes narizes que se assoaram. Porque seria que muitas pessoas, quando se cruzavam com o salteador, assoavam esforçadamente o nariz ao lenço, como se o som característico dessa operação pretendesse dizer-lhe: “É uma pena, por ti!” Já voltaremos, mais tarde, a tratar calmamente destas assoadelas e destas limpezas de nariz e cuspidelas. Vamos, decerto, ter tempo para isso.

Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida

19.4.04

Ilha dos Amores #42


O Ruy Ventura está de regresso.

Vale a pena ir a Guadalupe, mesmo que não se seja crente. De forma discreta, entre montes que parecem subjugar-nos, a profunda arte que nos reconcilia com o mundo está ali à nossa disposição, discreta e ao mesmo tempo avassaladora.
Da visita, que um dia repetirei, vieram nos meus olhos as figuras esguias de El Greco, a escura viagem de Goya ao interior humano, a delicadez das formas de um Cristo atribuído a Miguel Ângelo e, sobretudo, o esplendor de Zurbarán, que num jogo de clareza e obscuridade tão bem soube interpretar a alma que nos prende e nos liberta.


Ruy Ventura

O Povo é Sereno # 78


Mais revolução aqui.

Post It #113

O Manuel Resende voltou. Pelo menos durante alguns versos.

Ilha dos Amores #41


- Como se atrave o senhor a pensar que eu possa ter sido, alguma vez, uma má esposa?
- É evidente que a senhora foi sempre um amor, mas, muitas vezes, é-se má exactamente porque se tem muito amor.
Ela calou-se e assumiu um ar tal como o que paira em volta de uma figura de mulher desenhada por Dürer, um ar esquivo como o de uma ave nocturna sobrevoando os mares por entre a treva, algo como um gemido reprimido no seu íntimo.


Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida.

17.4.04

Umbigo #22

Margarida Vale de Gato, grande amiga e colaboradora deste blogue, é um dos finalistas, na área da literatura, da edição dos Jovens Criadores deste ano. Muitos parabéns, Margarida.
Voltaremos a este assunto durante a próxima semana.

16.4.04

Ilha dos Amores #40

O Pedro Amaral enviou-nos esta imagem de Veneza.


E, hoje, há outra Veneza, aqui.

Cimbalino Curto #78

O dia chega ao fim no Ceuta. Dois empregados anoitecem, ociosamente encostados ao balcão. A porta abre-se. Um homem entra e senta-se a uma mesa. O empregado aproxima-se. O homem pede um café. O empregado afasta-se. O homem tira um livro da pasta e pousa-o sobre a mesa. Acende um cigarro. Lê a primeira página. O empregado traz o café. O homem agradece e bebe um pouco. Depois arranca a página e come-a, pedaço por pedaço. Lê a página seguinte. Acaba de beber o café. Arranca essa página e come-a também. Apaga o cigarro. Fecha o livro e guarda-o na pasta. Levanta-se. Dirige-se para a porta. Sai.



Cartazes. Faça você mesmo, aqui.
(Com a devida vénia ao Amor e Ócio).

Ilha dos Amores #39


Bastava-lhe andar assim por entre o bulício da multidão para se sentir feliz, para se sentir muito divertido. Fora isso, parecia não pensar em mais nada senão, uma vez por outra e só fugazmente, nos desenhos de Beardsley ou em qualquer outra coisa ligada ao vasto domínio da arte e da cultura. Ele andava sempre a pensar em qualquer coisa. Tinha a cabeça sempre ocupada com qualquer ideia de certo modo longínqua. Como os senhores compreenderão, é natural que as pessoas que o rodeavam, e que observavam isso nele, levassem um pouco a mal essa sua atitude.

Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida

15.4.04

Post Scriptum #201

Um poema de Fernando Echevarría (n. 1929), retirado de “Introdução à Filosofia”, livro de 1981 (Porto, Nova Renascença). Uma oferta de Mesquita Alves.


Memória é o nome que, na sombra, damos
à sombra em que se oculta o repentino
sem fim do nascimento, aonde estamos,
embora a sombra esconda que o cumprimos.

E, de na sombra vermos, demoramos.
E vermos na demora advém destino
de perdermo-nos de onde ainda estamos,
pensando a sombra como um outro sítio.

E, de um ao outro, haver uma viagem
é sombra ainda e invenção da hora
em que se cumpre o sonho da passagem.

Mas, passando, é sombra só, embora,
de lentamente ver, se erija aragem
o repente sem fim que ver demora.

Umbigo #21


Hoje, ao encontrar o Richard Câmara por estes lados, voltei a ter saudades do nosso DN Jovem.

Post Scriptum #200

O FRAGMENTO
Seamus Heaney (Irlanda, n. 1939)

“a luz veio de nascente” – cantou ele,
“Claro garante de Deus, e as ondas acalmaram.
Eu podia ver promontórios e falésias fustigadas.
Muitas vezes, por assinalada coragem, o destino poupa o homem
Que ainda não assinalou.”

E quando lhe contaram a objecção deles –
Que ele se dispersara e não lhes deixava
Nada a que se agarrassem, que os seus versos de início e fim
Não eram uma coisa nem outra –
“Desde quando” – perguntou ele,
“São o primeiro e o último verso de um poema
O lugar onde o poema começa e termina?”

Tradução de Rui de Carvalho Homem.

Outros poemas de "Luz Eléctrica", de Heaney, no Modus Vivendi e também aqui.

Ilha dos Amores #38


Uma vez, num pálido parque de Novembro, depois de ter feito, de passagem, uma visita a uma tipografia e de ter tagarelado durante quase uma hora com o seu proprietário, o salteador deparou com a dama pintada por Henri Rousseau, vestida de castanho dos pés à cabeça. Estacou, pasmado, diante dela. Veio-lhe então à mente que, anos atrás, no decurso de uma viagem de comboio, a meio da noite, a uma mulher que com ele viajava, havia declarado, à velocidade de um comboio rápido, por assim dizer: “Vou para Milão”.

Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida

14.4.04

O Silêncio É de Ouro #61

Moacir Santos (n. 1924) é um daqueles nomes que há muito devia constar destas fichas sobre jazz que tenho publicado no granito. Um só dos seus discos justificaria uma longa referência na história da música. Foi compositor, maestro, multi-instrumentista e pedagogo. Incluído normalmente na chamada MPB instrumental, Santos combinou como ninguém os ritmos populares brasileiros, a bossa nova e o jazz. “Ouro Negro” é um disco duplo de homenagem onde se recolhe uma parte muito importante da sua longa obra e que conta com a participação, entre outros, de Gilberto Gil, Milton Nascimento e João Bosco. O músico vive nos Estados Unidos desde 1967.

Raul Silva

Dois bloggers sentam-se a uma mesa de café.
Um de mãos vazias, o outro equipado com um saco de plástico e uma daquelas redes de apanhar borboletas.
Quando os posts começam a cair do tecto, o primeiro vê tudo muito claramente e, em silêncio, recolhe os que interessam, abrindo a boca.
O segundo é como um cego, não vê nada, e lança-se furiosamente contra o ar, ora agitando a rede, ora gritando como um desalmado, na esperança de apanhar qualquer coisa, por mais insignificante que seja.

Ilha dos Amores #36


Isto passou-se na cozinha dela. Na cozinha reinava uma enorme e magnífica solidão estival, e o salteador havia, talvez, contemplado no dia anterior, na montra de uma loja de objectos e livros de arte, uma reprodução do quadro “Le baiser dérobé” de Fragonard. Ele deve ter ficado entusiasmado com esse quadro. É, na verdade, um dos quadros mais graciosos que alguém jamais pintou. E, nessa ocasião, mais ninguém estava na cozinha a não ser ele.

Robert Walser, O Salteador. Tradução de Leopoldina Almeida

Post It #112

Este gelado até inverna as mãos.
Gonçalo Gonçalves, 4 anos

Estou com tosse. Engoli frio um dia.
Inês Fernandes, 4 anos

Quando o ar cheira bem é porque os autronautas no espaço estão a comer rebuçados.
Gustavo Almeida, 5 anos

Mais versos curtos aqui.

13.4.04

Não nos peçam a fórmula com a qual se possa abrir mundos
e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo.


Bem-vindo ao Quartzo, Feldspato & Mica.


Eugénio Montale

Post Scriptum #199

Para abrir o dia, um poema em prosa de Russell Edson (E.U.A., n. 1935), intitulado “O Novo Pai”. (A tradução infelizmente é minha).


O NOVO PAI

Uma rapariga veste as roupas do pai e diz para a mãe, sou o teu novo marido.
Espera até o teu pai chegar, resmunga a mãe.
Ele já está em casa, diz a rapariga.
Não faças isso ao teu pai, por favor, ele trabalhou tanto a vida inteira, diz a mãe.
Eu sei, diz a rapariga, ele precisa de umas férias.
Quando o pai entra em casa está vestido com as roupas da filha. Olá mãe, olá pai, cheguei, diz.


De Russell Edson há uma breve antologia em português, da lavra de José Alberto Oliveira. Uma pequena amostra está disponível no Blog far niente (post de 10 de Junho de 2003).

O Silêncio É de Ouro #59

O Ricardo Carvalho enviou-nos a sua primeira sugestão musical desde há várias semanas. “Gostaria de destacar o último trabalho de um dos mais importantes colectivos pós-modernistas portugueses: Ena Pá 2000.” O disco chama-se “A Luta Continua” e há mais informações aqui.

Post It #111

A cabeça perdida de Petrarca.

Post It #110


The Fundamental Digital Library of Russian Literature and Folklore is, first and foremost, a repository of Russian verbal art and the scholarly and other texts vital to understanding it.

Para já, a versão em inglês é ainda muito limitada. Mas o projecto é excelente.

Press Release #9

Já está definido o programa da 2ª edição do Festival Internacional de Curtas Metragens do Porto, que irá decorrer nos dias 27, 28 e 29 de Maio, no Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Palácio de Cristal, no Porto. O prazo para a inscrição de filmes termina a 30 de Abril. Estas e outras informações estão disponíveis no sítio do festival.

12.4.04

Post It #109

Para além do sacrossanto feriado de Sexta-Feira Santa, esta é a outra razão pela qual os ateus gostam da Páscoa.

Post It #108

Tenho a declarar que não tenho o mínimo respeito por qualquer religião. Nenhuma delas trouxe nada de positivo ao colectivo. Quando muito levou Teresa d'Avila ao orgasmo.

Se eu soubesse escrever, escrevia assim.

O Povo é Sereno # 77

Vi recentemente em algumas estradas um grande cartaz indagando: “E se o Senhor Jesus chegasse agora?”. A gente passa, vê, fica intrigado ou acha graça e vai em frente. Mas, parei para pensar. Eis aí uma provocante questão. E pus-me a imaginar situações dessa segunda vinda de Cristo, que tanto inquieta certas seitas e mentes. (…) Se reaparecesse, por exemplo, em Israel ou em qualquer daquelas terras da antiga Palestina por onde mansamente pregou, ia ficar estarrecido. No lugar onde nasceu e onde pregou é onde há mais ódio fratricida. Seria difícil se movimentar entre tantas armas e bombas estilhaçando vidas. Estaria sendo vigiado de helicóptero e em certos territórios não poderia entrar, nem por milagre.

Se resolvesse subir a montanha e fazer um novo sermão, iam logo lhe dizer: — Olha, Mestre, não é por aí. Vamos para uma estação de televisão, lá o Senhor fala via satélite para todo o mundo.

Iam, é claro, dizer que precisava de assessor de imprensa, de relações públicas, de “promoter”, que doze apóstolos usando apenas o gogó não ia funcionar mais. (…)

Ao ver que ele se aproximava descendo das nuvens, uma repórter começaria: “Estamos aqui presenciando a chegada do Senhor Jesus, nascido em Belém, que veio especialmente para ver como vão as coisas neste mundo de Deus. Ele está se aproximando de nossas câmaras, então vamos aproveitar e lhe perguntar: ‘Cristo, faz favor, diga aqui aos nossos telespectadores quais são as suas primeiras impressões nessa sua segunda vinda?’”.

É quase certo que uma marca de cerveja tentasse contratá-lo para que demonstrasse como se transforma água em cerveja e cerveja em água. E já que ele é uma celebridade (…), se facilitasse ia acabar na Ilha de Caras. (…) E tanto Bush quanto Kerry insistiriam para aparecer ao seu lado na convenção de seus partidos. (…)

Depois de ir daqui para ali, indagar, opinar, participar às vezes mansamente, outras vezes iradamente, como quem expulsa os vendilhões do templo, começariam as intrigas, as fofocas e, não tenham dúvida, seria traído.

Traído por aqueles que dizem segui-lo e, no entanto, matam e trucidam populações de inocentes, iria, enfim, para julgamento sumário. E depois de apanhar como se apanha desses pitboys nas portas das boates, seria executado nos subúrbios de nossa indiferença e os jornais ainda seriam capazes de dizer: “Foi encontrado morto ontem, numa vala, o corpo de um indivíduo que insistia ser Jesus Cristo. Seus parentes e vizinhos disseram que sempre temeram que fosse esse seu fim, pois tinha umas idéias muito estranhas e vivia falando coisas que ninguém nunca levou a sério”.


Affonso Romano de Sant'anna, esta semana no Prosa & Verso (acessível após registo).

Post Scriptum #198


Dois breves poemas de dois autores húngaros, por sugestão de Amélia Pais.


LIBERDADE, AMOR!
(Sándor Petöfi, 1823-1849)

Amor e liberdade
ambos me são precisos.
Pelo meu amor sacrifico
a vida
Pela liberdade sacrifico
o meu amor.


PEQUENO ALMOÇO OUTONAL
(Dezsö Kosztolanyi, 1885-1936).

Eis o gue trouxe o Outono. Frutas frescas
na travessa de vidro. Uva pesada de cor
verde-esmeralda, pêra enorme de luz jaspe,
é cada uma resplandecente jóia.
Uma gota de água escorre de urn fruto repleto
e voa como um diamante.
Eis a pompa, indiferente e serena,
perfeição que em si própria se fecha.
Preferiria viver. Mas já além as árvores,
com suas mãos de ouro, me acenam

Poetas Húngaros: Antologia, org., pref. e notas de Zoltán Rózsa, Moraes, 1983.

Umbigo #20

Não vou lamentar mais o estado das coisas. De resto, o meu amor pelo Porto também está cheio de buracos.

Post Scriptum #197

No suplemento “Actual”, do jornal “Expresso” desta semana, há um extenso artigo de Jorge Henrique Bastos dedicado a Odysséas Elytis, a pretexto da tradução de Manuel Resende de "Axion Estí (Louvada Seja)".

Caiada por uma luz solar vertiginosa, atravessada por uma imagética mediterrânea, embebida de uma metafísica expressiva, a poesia de Odysséas Elytis está muito bem apresentada aos leitores portugueses, numa tradução irrepreensível assinada por Manuel Resende, e marca, para já, este semestre editorial.

Há excertos do livro no Tempo Dual e no Laranja Amarga.

8.4.04

Post It #107

Mais um artigo no Guardian dedicado aos blogues. Desta vez a pretexto do enorme sucesso que o polémico Belle de Jour tem suscitado em Inglaterra. De acordo com o autor do artigo, os blogues poderão estar a dar origem a novos géneros literários. Para ler aqui.

Cimbalino Curto #77


Fotografia de Francisco Costa.
Para ampliar a imagem, clique aqui.

Post Scriptum #196

Um poema de Herman de Coninck (Bélgica, 1944-1997), incluído em “Os Hectares da Memória”.
Uma oferta da nossa leitora Amélia Pais.


Chegou com a alegria desajeitada de uma camponesa
de quatro anos. Tem o olhar ríspido e coquette
da minha mãe de 75 anos aos quatro.
E quando essa mãe morreu, tentou
ser tão sensata que a sua cabeça
se inclinava enquanto dizia: «quando eu
morrer, hei-de chorar imenso, sabes.»

Não precisa de pai a não ser para as bonecas.
Como é que hei-de fazer, pergunto. «Sentares-te aqui
na cadeira, e leres o jornal,», disse ela. Brinca à vida,
uma horinha, e depois a outra coisa.
Ela ensina-me o que é a poesia: de um nevão
seguir apenas um floco. Com ela aquilo que quero
é sempre possível: que seja hoje.

Tradução colectiva.

Post It #106

20 anos é pouco tempo. Queremos mais.
Parabéns Francisco Amaral.

Post Scriptum #195

Para abrir a manhã, um conto de Vincenzo Quillici (França, n. 1967), numa tradução de Nicolau Saião.


O PARENTE

A senhora Beaumont, Mélanie Beaumont de sua graça, todos os sábados de manhã se deslocava a ouvir missa em Saint Sulpice. Gostava da igrejinha, do jardinzito próximo e do mercado mesmo ao pé onde frequentemente se abastecia para a semana. Comprava endívias, laranjas de todo o ano, rabanetes de que era particularmente gulosa, peixe e alguma carne. Flores da época, se era tempo delas umas cerejas, rabanadas e bolo-doce. A senhora Beaumont, que era uma alma cândida, usava no tempo frio um casaco castanho claro a condizer com o seu cabelo cuidadosamente pintado – embirrava com as brancas e perdoava-se esta faceirice – e um lenço de cabeça às pintinhas discretas que lhe ficava muito bem. A senhora Ricot, a vendedeira de verduras, via-se mesmo que lhe tinha alguma inveja.
Naquele sábado a senhora Beaumont sentia uma pequenina pontada no peito. As coisas, desde as árvores aos automóveis, parece que estavam assim como que enevoadas, fluidas e até julgara distinguir um buçozinho sob o nariz da menina Sabine, que era loira e roliça, com os seus braços clarinhos mexendo-se daqui para ali a pesar o peixe e a fazer os trocos.
Foi quando abandonava o mercadinho e ia já virar para a rua Vosges, direitinha a casa, que o homem se lhe dirigiu, polidamente ainda que com ar resoluto. A princípio não percebeu, julgara ter ouvido mal. Decerto um pouco intimidado ante o seu ar de incompreensão, o cavalheiro repetiu contudo: “Senhora Mélanie Beaumont, não é assim? Sou seu filho.”
A princípio ficou como que paralisada. Depois, segurando-se nas pernas, olhou o moço bem de frente e começou ao mesmo tempo a reflectir. É que lhe achava um ar familiar. Ferdinand, o gascão de bigode e olhos indagadores? O Egobert, que era caixeiro e gostava da sua pinga? O Maubart, que apesar de aborrecido era bom sujeito? Não era capaz, digamos, de enquadrar a cara do moço numa recordação determinada. Mas sorriu, já com a ideia fisgada de lhe fazer depois um interrogatório em regra. “E o senhor seu pai… como vai passando?” perguntou com natural delicadeza embora um pouco indecisa.
Enquanto o rapaz lhe respondia, esclarecendo-a que ele falecera pouco tempo atrás, a senhora Beaumont ia dizendo de si para si que já teria algo para contar à noite, no serão habitual com a vizinha Malverne.

Tradução de Nicolau Saião


Vincenzo Quillici nasceu em Aubagne, em 1967. É poeta e contista. Deu a lume poemas e “Recits du Parc”, pequenas histórias do quotidiano onde brilha uma crueldade terna e desenvolta, e de onde foi retirado este “O Parente”.

7.4.04

Ilha dos Amores #35

Fotografia de Hans Roels, usada no material de promoção de "Blush"
No Rivoli, dias 31 de Abril e 1 de Maio, às 21h30.

O Silêncio É de Ouro #57

Uma encomenda do Festival de Jazz do Porto e da Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura ao pianista Paulo Gomes deu origem a um dos melhores e mais inovadores discos de jazz portugueses editados nos últimos anos. “Intro” (2002) reúne o material que o decateto de Paulo Gomes estreou ao vivo, no Porto, em 22 de Setembro de 2001. No sítio do músico há alguns excertos em "Real Audio". Uma excelente banda sonora para o programa “Portugal Faz Bem”.

Raul Silva

Post Scriptum #194

“Happiness”, de Raymond Carver, numa tradução inédita de Jorge Sousa Braga, pode ser lido aqui.

Post Scriptum # 193

E ainda a propósito de “Dubliners”, de Joyce, há um aspecto curioso que vale a pena lembrar: os contos deste livro foram escritos em Trieste - cidade onde Joyce voluntariamente se exilou e onde conheceu Italo Svevo, em 1906, na qualidade de seu professor de inglês - e destinavam-se inicialmente a ser publicadas no “The Irish Homestead”, uma publicação para agricultores que posteriormente os recusou.

Mais aspectos curiosos sobre James Joyce aqui.

Post Scriptum # 192

Hoje, com o jornal Público, é distribuído "Gente de Dublin" ("Dubliners"), o segundo livro de James Joyce, publicado em 1914.

A minha intenção foi a de escrever um capítulo da história moral do meu país, e escolhi Dublin como seu cenário porque a cidade me parecia o centro da paralisia. Tentei apresentá-la ao público indiferente sob os seus quatro aspectos: infância, adolescência, maturidade e vida pública. A maioria delas foi escrita num estilo de escrupulosa rudeza.

James Joyce

Post It #104

Arte da fuga.

Uma partitura de Bach, que estava desaparecida pelo menos desde 1926, acaba de ser descoberta no Japão.

O Povo é Sereno # 76

E o primeiro é…

Esta é a prova inequívoca de que perigosos terroristas também operam na internet. Vá a www.google.pt e faça uma pesquisa pela palavra “estúpido”. Repare na primeira ocorrência da lista de resultados.

6.4.04

Ilha dos Amores #34

Charles Demuth,
I saw the figure 5 in gold,
1949.


THE GREAT FIGURE
William Carlos Williams

Among the rain
and lights
I saw the figure 5
in gold
on a red
firetruck
moving
tense
unheeded
to gong clangs
siren howls
and wheels rumbling
through the dark city.



Com um agradecimento para a Cristina Fernandes.

Post Scriptum # 191

Fragmento do “Canto Geral do Chile”,
obra de Pablo Neruda (Chile, 1904-1973),
publicada em 1950,
numa tradução inédita de Nicolau Saião.


ETERNIDADE

Eu escrevo para a terra agora enxuta, recém
fresca de flores, de pólen, de argamassa
escrevo para os vulcões que nas cúpulas de lava
repetem seu redondo vazio junto da pura neve
improviso para o que apenas
leva o vapor do ferro recém saído do abismo
falo para as pradarias que não conhecem outro apelido
que não seja o da pequena campainha do líquen
e do estambre queimado
ou a rude espessura onde se queima a yegua.

De onde venho, senão destas primeiras, azuis
matérias que se enredam, encrespam ou desfazem
ou rebentam gritando ou sonâmbulas caiem
ou trepam e afeitam o baluarte do horizonte
ou escondem e amarram a célula do cobre
ou saltam a verdura dos rios ou sucumbem
na lama enterrada do carvão ou reluzem
nas trevas esmagadas da uva?

Pela noite, durmo como os rios dormem, percorrendo
incessantemente o invisível, rompendo na cabeça
a noite submarina, levantando as horas
até à madrugada, palpando as secretas imagens
que a cal já desterrou, subindo pelo bronze
até às cataratas recém disciplinadas, e toco
num fluvial caminho o que não dispersei
a rosa jamais nascida, o afogado hemisfério.

A terra é uma catedral de pálidos relevos
eternamente unidos e juntos em um só
vendaval de segmentos na salina das urzes
coloração final de perdoado outono.

Não haveis, não haveis jamais tocado este caminho
aquele que a nua estalactite determina
a festa entre as lâmpadas glaciares
o alto frio das moradas negras
não haveis entrado comigo nas fibras
que a terra escondeu
não haveis tornado a subir depois de mortos
grão a grão, os punhados da areia
até que as coroas do orvalho
de novo cubram uma aberta rosa
não podeis existir sem ir morrendo
no vestuário usado do destino.

Mas eu sou o nimbo metálico, a argola
encadeada a espaços, a nuvem, os terrenos
que afloram as despenteadas e emudecidas águas
e voltam a desafiar a tempestade sem fim.


Tradução inédita de Nicolau Saião.

5.4.04

Post It #103

Depois das inúmeras sugestões de “jogos idiotas” que o Rui Baptista ofereceu no Amor e Ócio, chegou a nossa vez de contribuir para o ranking das coisas absurdas. E creio que esta "coisa" tem qualidade suficiente para arrasar com a concorrência. Vejam aqui.

Post It #102

Sim, no Quartzo, Feldspato & Mica fazemos demasiadas referências a livros, abusando dos adjectivos e apelando excessivamente ao seu consumo. Porém, chegou o momento de assumirmos as nossas responsabilidades e impor a nós próprios alguma moderação. De facto, o consumo excessivo de livros pode provocar doenças graves como a obesidade, hiperactividade, diabetes e várias doenças do coração. Veja aqui.

Post Scriptum # 190

Hoje reparei que também Camillo Sbarbaro nasceu nesse estranhíssimo ano de 1888.

Mensagem da Gerência.

Faz parte do contrato. No ponto 5, alínea b), pode ler-se: “independentemente da pertinência e importância do material, a gerência está impedida de promover o trabalho de natureza estritamente profissional do segundo outorgante”. E apesar do segundo outorgante estar mais ou menos ausente, nós continuamos a cumprir o que acordámos. Por isso, não podemos fazer referências explícitas às mais recentes edições que têm a mão de Manuel Resende. É o caso, por exemplo, de "Os Contos", de Franz Kafka, e de "Axion Estí (Louvada Seja)", de Odysséas Elytis. De qualquer maneira, o Repórter Lírico está atento e já fez uma boa parte do trabalho (estava a ver que nunca mais, pá! O cheque segue depois).

Post Scriptum # 189

Eugenio Montale
(Itália, 1896-1981)



BREVE EXCERTO DE “OS LIMÕES”

Escuta-me, os poetas laureados
movem-se tão-somente entre as plantas
de nomes pouco usados: buxos ligustros e acantos.
Eu, por mim, gosto de caminhos que levam às agrestes
valas aonde em poças
já meio secas rapazes apanham
alguma enguia miúda:
as veredas que seguem junto às bordas,
descem por entre os tufos de canas
e chegam até os hortos, no meio dos limoeiros.

Tradução de Renato Xavier.

2.4.04

Bem-vindo ao Quartzo, Feldspato & Mica.
Um blogue com excelente relação qualidade-preço.

Se encontrar mais barato, devolvemos-lhe o dinheiro.

Ilha dos Amores #33

Ficava de mal com a minha consciência se não avisasse os cinéfilos intemeratos e até aqueles que o não sejam (já será tempo de se viciarem) que é hoje, pelas sete da tarde, no canal Hollywood, emitido o “Ulzana, o perseguido” (Ulzana’s Raid) de um Robert Aldrich em plena forma com um Burt Lancaster superlativo na figura de um duro e desencantado batedor do exército a contas com uma incursão desesperada de apaches no território do sudoeste. Faz-lhes companhia um ainda muito jovem Bruce Davison, num contraponto que torna coerente este “western” invulgar, iniciático, para “gourmets”.
Ponho as orelhinhas no cepo em como vão adorar. E se não for assim, com vivacidade peçam-me contas. A minha tranquilidade é contudo quase igual à dum velho chefe mescalero que aparece numa das cenas de muito amar...


Nicolau Saião

1.4.04

O Silêncio é de Ouro # 50

Baixo, bateria e piano. Uma formação simples para um disco maior. “These Are The Vistas” é o excelente álbum de estreia dos Bad Plus. Com composições próprias verdadeiramente originais e versões soberbas de alguns temas oriundos do universo pop-rock, como “Smells Like Teen Spirit”, dos Nirvana, “Heart of Glass”, dos Blondie, e “Flim”, dos Aphex Twin. Para comprar e nunca mais guardar.

Raul Silva

Post Scriptum # 187

O culto em torno do Diário Secreto atribuído a Aleksandr Púshkin (uso a grafia adoptada por Nina e Filipe Guerra) é de tal ordem que há inúmeras páginas na internet que lhe são exclusivamente dedicadas. Esta página, por exemplo, é um verdadeiro centro de recursos sobre o Diário. Para além de vários extractos, alguns ensaios e de uma entrevista com Mikhail Armalinsky, o escritor a quem foi “confiado” o “manuscrito de Púshkin” e que primeiramente o traduziu para inglês, possui ainda apresentações de todas as edições publicadas no mundo inteiro.
Por coincidência ou talvez não, este sítio possui um banner publicitário que dá acesso à página pessoal de Armalinsky. Enfim, nada mais apropriado para o dia das mentiras.
Aproveito ainda para acrescentar que, sendo ou não de Púshkin, o livro é, dentro do género, um dos melhores que eu conheço.

Post Scriptum # 186

UM EPIGRAMA DE LUCÍLIO
(Roma, séc. V d.C.)

O melhor poeta é na verdade aquele
que oferece o jantar aos seus ouvintes. Mas,
se lê os seus poemas e despede as pessoas sem comer,
então que dirija contra si a sua própria loucura.

Tradução de Albano Martins.

Post It #100

Nos dias que correm, o dia de hoje deveria ser substituido. Faria sentido, o dia da mentira quando ela era ainda excepção. Não sendo, e sendo a excepção a verdade, o dia de hoje deveria ser o "dia da verdade". Toda a gente diria a verdade. Por exemplo, nos media seria dia de excepção. Fariam jornalismo a sério.